quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Mestre Pastinha o arauto da não violência

A importância de Mestre Pastinha para a Capoeira Angola
O arauto da não violência
O pai da Capoeira moderna

Fala-se em Pastinha como um mito distante algo incompreensível ou que precise de uma tradução para que seu legado seja compreendido pelas novas gerações.

A capoeira até o início do século vinte era praticada na rua, ou melhor, a céu aberto. Como uma manifestação espontânea que acontecia nos momentos de folga do trabalho escravo. Assim sendo sua transmissão ocorria naturalmente sem qualquer preocupação didática. O conhecimento era incorporado pelo convívio com o iniciado que a praticava nessas ocasiões e assim disseminava-se seu conhecimento.

Após a abolição da escravatura, os escravos, naturais praticantes e criadores da Capoeira. Perambulavam sem emprego ou qualquer condição digna de sobrevivência. Nesta época aqueles que se destacavam pelas suas habilidades físicas, conhecimento de luta e valentia começaram a ser valorizados e eram contratados por ricos comerciantes e políticos para fazerem sua segurança.

Nesta ocasião o conhecimento de Capoeira teve grande destaque, e passou a ser transmitido por iniciados a grupos fechados que a praticavam como luta feroz de imposição física acompanhada de armas brancas. Esses grupos se espalharam principalmente pelo Rio de Janeiro, sua violência extrapolou todos os limites da lei e do convívio social. Sem a possibilidade de uma vida em sociedade, foram perseguidos e caçados seu conhecimento passou a ser tratado como arma mortal nos códigos de lei, bem como passível de severas penas de prisão.

Foi exatamente nesse momento que, pela primeira vez, o conhecimento de Capoeira foi sistematizado e transmitido em grupos fechados exatamente pela forma como esses grupos se organizavam e preparavam suas estratégias. Por muitos anos permaneceu o estigma de violência e agressividade gratuita ligada à Capoeira.

Bem, aí chegamos a Pastinha. No início do século XX ele se deu conta da importância do conhecimento da Capoeira e entendeu que ela somente seria novamente valorizada e reconhecida se a violência e a agressividade gratuita desaparecem, fossem banidas de seu contexto. Nesse momento a Capoeira ainda era considera arma mortal e seu uso passível das penas da lei.

Pastinha também deu-se conta da importância do conhecimento da Capoeira para a valorização e reconhecimento da identidade de seus praticantes ex-escravos afro descendentes. Da grandeza e profundidade de elementos étnicos e culturais integrantes de sua expressão portanto fundamentais para a formação e afirmação, principalmente, dos excluídos e discriminados, que haviam perdido seus referenciais de identidade. Ele afirmou o valor e a realeza de sua origem através da integração dos elementos rituais que se manifestam através dela, com isso projetando uma dimensão sobrenatural ao seu acontecimento.

Tornou-se figura catalisadora das idéias que fundamentaram a concepção da Capoeira Angola, e os principais capoeiristas de sua época lhe delegaram a missão de conduzir a pratica da Capoeira para as futuras gerações.

Praticá-la em local fechado, através de praticantes interessados em defender sua identidade étnico cultural, com o propósito do reconhecimento de sua importância como elemento formador dos indivíduos, no sentido da afirmação de seus valores. Utilizando uma das mais complexas manifestações da cultura dos ex-escravos, afro descentes, fundindo elementos religiosos a Capoeira retrata deuses, guerreiros e vadios de toda a sorte, características gerais de um povo, nela todos os arquétipos deste povo são revividos através dos elementos rituais que permitem sua criação e manifestação. O formato bateria, roda, coro, jogadores, com a definição dos instrumentos que compõem a bateria sua disposição e quantidades no recinto da roda de Capoeira Angola, ficaram consolidados a partir de mestre Pastinha. O banimento da agressividade gratuita trocada pela astúcia, pela perspicácia dos jogadores, o sentido brincalhão e debochado evocando figuras do imaginário popular para se manifestarem através dos jogadores construindo essa grande ponte entre o passado e o presente que se materializa quando todos os elementos rituais se conjugam, aí nesse instante sim, os ancestrais se manifestam e o verdadeiro sentido da Capoeira Angola se perpetua.

Dessa circunstancia é que pode-se dizer que surgiu a primeira escola e grupo formal de Capoeira, a valorização de seus elementos culturais e o caráter de celebração. A exclusão da agressividade gratuita, da violência pela violência caracterizam a Capoeira Angola de Mestre Pastinha, que vem sendo sustentada nos dias de hoje principalmente por Mestre João Grande e seu aluno devotado Mestre Moraes.

Esse é exatamente o inicio do ensino sistematizado, em local fechado e com o objetivo de formar indivíduos capazes de tornarem manifesta a tradição cultural dos afro descentes, ex-escravos, agora cidadãos livres, dignos e imbuídos de grande conhecimento de suas origens que reconhecem e afirmam seus valores.

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