quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

O jogo de Capoeira Angola acontece em dois planos

O jogo de Capoeira Angola acontece em dois planos o objetivo e o subjetivo:O plano objetivo é aquele que é visível e acontece no âmbito da matéria, do físico, do concreto.Nesse plano o jogo de Capoeira Angola de acordo com a concepção transmitida por Mestre Pastinha é uma melhor de três em que se um dos jogadores superar o oponente duas vezes ganhou o jogo e se houver empate vai a negra, sempre existe um vencedor. Cada ponto ou etapa pode ser marcado por uma chamada ou um reinicio ao pé do berimbau. Essa marcação é feita pelos próprios jogadores e preferencialmente pelo fiscal que sempre estará determinando cada estagio do jogo até o seu final.O jogo de Capoeira Angola sempre é de “dentro” e acontece à curta distancia entre os jogadores. O “jogo de dentro” favorece a defesa não dá chance para o ataque contundente que necessita de espaço poder acontecer. Nesse sentido o jogo de Capoeira pode ficar bastante “travado” pois nenhum dos jogadores dá espaço para o outro. O objetivo no jogo de Capoeira Angola é a supremacia sobre o espaço, no jogo os jogadores buscam sempre se antecipar um ao outro em disputa permanente pelo espaço, aquele que chega primeiro no ponto futuro sempre estará em vantagem e terá condições de subjugar o adversário. Isso deve ocorrer através de movimentos desequilibrantes que podem ser aplicados com a cabeça com as cabeçadas ou com os pés chapas e rasteiras. Não existem movimentos contundentes, mesmo a chapa deve ser aplicada apenas para derrubar o adversário e não para bater ou quebrar o que é perfeitamente possível devido à condição conquistada por quem esta em vantagem, porem o código de ética e respeito que rege a Capoeira Angola não admite que se agrida ao adversário para demonstrar autoridade ou poder no jogo, isso é considerado covardia no contexto da Capoeira Angola. Não há necessidade do jogador bater para provar que é melhor. A palavra chave para o angoleiro nesse sentido é controle-motor, ou seja a capacidade de controlar seus movimentos de modos a preservar a integridade física do seu adversário. Esse termo é utilizado por Mestre Moraes para definir essa condição indispensável ao jogador de Capoeira Angola.O plano subjetivo é aquilo que muitos chamam de “mandinga”, “malicia”, se refere à sensibilidade do jogador de Capoeira Angola, sua capacidade de reagir com movimentos característicos e tradicionais a cada situação proposta dentro do jogo e está intimamente relacionada com a ancestralidade com o transe. Nesse contexto o jogador é o “cavalo” dos ancestrais que se incorporam ao jogador durante o jogo. Para haver essa incorporação o processo é semelhante ao que ocorre nas religiões de matriz africana são ensinados passos e movimentos característicos ao iniciado que após dominar esse conhecimento esta preparado para “receber” os ancestrais. O jogador de Capoeira Angola no momento do jogo perde sua persolidade original deixa de ser João, Paulo, Maria e passa a ser uma entidade ancestral “o jogador” que se manifesta no plano concreto através de seus movimentos característicos que são reproduzidos, só no solo brasileiro a mais de quatrocentos anos e em áfrica seguramente a mais de cinco mil anos. Perde a noção de tempo e se transfere para um plano atemporal durante o período em acontece jogo. São entidades primitivas que não tem fala, são os arquétipos dos bêbados, dos tabaréus, dos cantadores, dos sacis, dos malandros, entre outras figuras míticas do imaginário afro brasileiro. Pelo exposto a “mandinga” a “malicia” ou outro termo que se queira utilizar para denominar a sensibilidade ou subjetividade do jogador não é resultado de treinamento objetivo da repetição de movimentos desconectado do contexto histórico cultural e etnográfico somente a partir desse conhecimento é que o jogador estará adquirindo a condição de evoluir e conquistar naturalidade nesse processo.Quanto maior o rigor na execução do ritual melhor o nível de expressão da Capoeira Angola que estará trazendo o passado para o presente para construírem o futuro.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Mestre Pastinha o arauto da não violência

A importância de Mestre Pastinha para a Capoeira Angola
O arauto da não violência
O pai da Capoeira moderna

Fala-se em Pastinha como um mito distante algo incompreensível ou que precise de uma tradução para que seu legado seja compreendido pelas novas gerações.

A capoeira até o início do século vinte era praticada na rua, ou melhor, a céu aberto. Como uma manifestação espontânea que acontecia nos momentos de folga do trabalho escravo. Assim sendo sua transmissão ocorria naturalmente sem qualquer preocupação didática. O conhecimento era incorporado pelo convívio com o iniciado que a praticava nessas ocasiões e assim disseminava-se seu conhecimento.

Após a abolição da escravatura, os escravos, naturais praticantes e criadores da Capoeira. Perambulavam sem emprego ou qualquer condição digna de sobrevivência. Nesta época aqueles que se destacavam pelas suas habilidades físicas, conhecimento de luta e valentia começaram a ser valorizados e eram contratados por ricos comerciantes e políticos para fazerem sua segurança.

Nesta ocasião o conhecimento de Capoeira teve grande destaque, e passou a ser transmitido por iniciados a grupos fechados que a praticavam como luta feroz de imposição física acompanhada de armas brancas. Esses grupos se espalharam principalmente pelo Rio de Janeiro, sua violência extrapolou todos os limites da lei e do convívio social. Sem a possibilidade de uma vida em sociedade, foram perseguidos e caçados seu conhecimento passou a ser tratado como arma mortal nos códigos de lei, bem como passível de severas penas de prisão.

Foi exatamente nesse momento que, pela primeira vez, o conhecimento de Capoeira foi sistematizado e transmitido em grupos fechados exatamente pela forma como esses grupos se organizavam e preparavam suas estratégias. Por muitos anos permaneceu o estigma de violência e agressividade gratuita ligada à Capoeira.

Bem, aí chegamos a Pastinha. No início do século XX ele se deu conta da importância do conhecimento da Capoeira e entendeu que ela somente seria novamente valorizada e reconhecida se a violência e a agressividade gratuita desaparecem, fossem banidas de seu contexto. Nesse momento a Capoeira ainda era considera arma mortal e seu uso passível das penas da lei.

Pastinha também deu-se conta da importância do conhecimento da Capoeira para a valorização e reconhecimento da identidade de seus praticantes ex-escravos afro descendentes. Da grandeza e profundidade de elementos étnicos e culturais integrantes de sua expressão portanto fundamentais para a formação e afirmação, principalmente, dos excluídos e discriminados, que haviam perdido seus referenciais de identidade. Ele afirmou o valor e a realeza de sua origem através da integração dos elementos rituais que se manifestam através dela, com isso projetando uma dimensão sobrenatural ao seu acontecimento.

Tornou-se figura catalisadora das idéias que fundamentaram a concepção da Capoeira Angola, e os principais capoeiristas de sua época lhe delegaram a missão de conduzir a pratica da Capoeira para as futuras gerações.

Praticá-la em local fechado, através de praticantes interessados em defender sua identidade étnico cultural, com o propósito do reconhecimento de sua importância como elemento formador dos indivíduos, no sentido da afirmação de seus valores. Utilizando uma das mais complexas manifestações da cultura dos ex-escravos, afro descentes, fundindo elementos religiosos a Capoeira retrata deuses, guerreiros e vadios de toda a sorte, características gerais de um povo, nela todos os arquétipos deste povo são revividos através dos elementos rituais que permitem sua criação e manifestação. O formato bateria, roda, coro, jogadores, com a definição dos instrumentos que compõem a bateria sua disposição e quantidades no recinto da roda de Capoeira Angola, ficaram consolidados a partir de mestre Pastinha. O banimento da agressividade gratuita trocada pela astúcia, pela perspicácia dos jogadores, o sentido brincalhão e debochado evocando figuras do imaginário popular para se manifestarem através dos jogadores construindo essa grande ponte entre o passado e o presente que se materializa quando todos os elementos rituais se conjugam, aí nesse instante sim, os ancestrais se manifestam e o verdadeiro sentido da Capoeira Angola se perpetua.

Dessa circunstancia é que pode-se dizer que surgiu a primeira escola e grupo formal de Capoeira, a valorização de seus elementos culturais e o caráter de celebração. A exclusão da agressividade gratuita, da violência pela violência caracterizam a Capoeira Angola de Mestre Pastinha, que vem sendo sustentada nos dias de hoje principalmente por Mestre João Grande e seu aluno devotado Mestre Moraes.

Esse é exatamente o inicio do ensino sistematizado, em local fechado e com o objetivo de formar indivíduos capazes de tornarem manifesta a tradição cultural dos afro descentes, ex-escravos, agora cidadãos livres, dignos e imbuídos de grande conhecimento de suas origens que reconhecem e afirmam seus valores.

Capoeira Angola quem pode praticar?

Capoeira Angola quem pode praticar ? Já dizia Mestre Pastinha que a Capoeira e pra homem, menino e mulher, qualquer um pode praticar. A idade para começar a partir de 5 anos, a Capoeira é potente instrumento de educação desde cedo desenvolve noções como limite, disciplina. O respeito aos mais velhos quem transmite o conhecimento e aqueles que ensinaram seu instrutor. Assim despertando o interesse por sua historia, sua origem. O interesse pela musicalidade também quanto mais cedo se desenvolve melhor. Os mais jovens aprendem mais rápido e tem mente mais aberta. Os mais idosos devem ser acompanhados de perto sempre respeitando limites físicos. As mulheres grávidas precisam consultar o medico antes de começar a praticar.

Um bom instrutor é fundamental e deve ter profundo conhecimento sobre todos os aspectos da Capoeira Angola a destacar a musicalidade, oralidade, ancestralidade estar diretamente ligado a uma vertente normalmente reconhecida e no mínimo tem o reconhecimento de seu instrutor para se habilitar a transmitir esse conhecimento.

Outras praticas e a Capoeira Angola Quem pratica a Capoeira Angola não precisa desenvolver nenhuma outra atividade física complementar, tais como musculação, exercícios aeróbicos, entre outros, porque a Capoeira Angola trabalha todo o corpo sustentando o próprio peso proporcionando um equilíbrio e desenvolvimento perfeito.

Não é preciso seguir nenhum tipo de dieta especial, para praticar a Capoeira Angola mas uma alimentação mais orgânica e natural proporciona ótimos resultados. Quem esta acima do peso pode começar a praticar como um estimulo a vida saudável. Uma coisa puxa a outra e transformação acontece naturalmente, nada é imposto, cada um com seus limites e buscando continuamente a sua superação. Naturalmente o angoleiro sentirá necessidade de uma alimentação mais equilibrada e seu corpo ganhará flexibilidade, força, equilíbrio, alem de formas mais harmoniosas.

A Capoeira Angola e a religião. Existe uma relação direta entre a Capoeira Angola e a religião a pratica da Capoeira Angola requer uma iniciação em um processo de auto-conhecimento e superação individual de limites físicos e psicológicos. O aprendizado de passos, posturas e movimentos específicos introduzem o iniciado ao ritual da roda de Capoeira Angola onde ocorre a manifestação dos ancestrais. Esse processo é estimulado pelo canto e por uma bateria formada por três Berimbaus, dois pandeiros, um Atabaque, um Reco-reco e um Agogô. Diante da formação da bateria acontecerá o jogo de Capoeira Angola. Uma hora e meia, duas vezes por semana sendo os primeiros ou os últimos trinta minutos dedicados ao canto e a musicalidade e uma hora para movimentos e posturas. Já é um bom começo se for praticar nas primeiras horas da manhã é bom estar em jejum, melhor, se for a noite ou a tarde é bom estar sem comer entre três e quatro horas.
Os deuses são da mitologia popular heróis e brigadores, a roda de Capoeira Angola é o acontecimento que manifesta a espiritualidade de cada um e deve ser cercada de reverencia, introspecção. Essa manifestação religiosa exalta a vida, a alegria, o sacrifício e não esquece a dor e o sofrimento dos antepassados é uma religião apócrifa sem muitos escritos, levada pela convivência e transmissão oral direta de um para o outro.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Me Cago do amor - Manu Chao

Felicidade é momento o futuro é incerto!

O Fogo, a água, conserto, calma, sonata de Bento.

É nossa pequena vida!

É o nosso grande coração!

Por que vou acreditar, crêr no amor?

Se não me entendem, não me compreendem tal como eu sou.

Por que vou acreditar, crêr no amor?

Se me traem, se me abandonam quando melhor estou.

Nos sabemos muito bem, entre eu e tu,

mesmo que pareça não tens culpa, a culpa é do amor.

É um mundo difícil e a vida intensa!

Felicidade é momento o futuro é incerto!

Não posso cometer ao meu coração

se eu o adulo, estou seguro que tem a dor.

Não vou assassinar, essa sensação.

Se eu a quero, se eu desejo que me doa.

Eu não quero sofrer e eu já estou, estou sofrendo e não me arrependo.

Me cago do amor.

É um mundo difícil e a vida intensa!

Felicidade é momento o futuro é incerto!

O fogo, a água, conserto, calma, sonata de Bento.

Nossa pequena vida e nosso grande coração!

Por que vou acreditar, crêr no amor?

Se não me entendem, não me compreendem tal como eu sou.

Por que vou acreditar, crêr no amor?

Se me traem e me abandonam quando melhor estou.

Nos sabemos muito bem, entre eu e tu,

mesmo que pareça não tens a culpa, a culpa é do amor.

Eu não quero sofrer e já estou sofrendo, não me arrependo.

Me cago do amor.

Me cago do amor.

Me cago do amor.

Me cago do amor...

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Capoeira: Patrimônio Cultural do Brasil

Capoeira: Patrimônio Cultural do Brasil
asilO pedido de registro de uma das maiores expressões culturais afro-brasileiras, a Capoeira, como Patrimônio Cultural brasileiro é uma iniciativa do Ministério da Cultura e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. A proposta prevê a inscrição, como Bens Culturais de Natureza Imaterial, do Ofício dos Mestres de Capoeira no Livro de Saberes e da Roda de Capoeira no Livro das Formas de Expressão.
Ofício dos Mestres da Capoeira - O saber dos mestres formados na tradição da Capoeira, tidos como responsáveis pela transmissão oral e gestual das práticas, dos rituais, do conhecimento e da herança cultural da manifestação.
Roda de Capoeira - Espaço onde se manifestam os aspectos constitutivos da prática cultural - canto, toque dos instrumentos, dança, golpes, jogo, brincadeira, símbolos e rituais de herança africana -, que congrega hierarquia e código de ética compartilhados por um grupo.
Capoeira entra na roda do patrimônio cultural
Diário de Pernambuco - Cultura e Lazer, Da Redação, 15/7/2008
O registro de patrimônio imaterial será importante para valorizar o ofício dos mestres de capoeira,que terão sua habilidade como educadores reconhecida
Uma das principais expressões da cultura afro-brasileira, a capoeira terá sua proposta de registro como patrimônio imaterial apreciada hoje, durante reunião do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O encontro será realizado nesta terça-feira no Palácio Rio Branco, em Salvador, contando com a presença de autoridades nacionais e locais, além de grupos de capoeiristas, que pretendem acompanhar a votação e, ainda, fazer uma grande roda em frente ao palácio, com este misto de luta, dança e música que já foi propagada em mais de 150 países. Estarão presentes o ministro interino da Cultura, Juca Ferreira; o governador da Bahia, Jacques Wagner e o presidente da Fundação Cultural Palmares, Zulu Araújo.

O registro de patrimônio imaterial também será importante para valorizar o ofício dos mestres de capoeira, que terão sua habilidade como educadores reconhecida. Para comemorar o feito, artistas celebram sua arte com um grande evento à noite, no Teatro Castro Alves, com aparticipação do mestre capoeirista Lorimbau e dos percussionistas Naná Vasconcelos, Wilson Café e Ramiro Musotto, além dos baianos da região do Recôncavo, de Marienne de Castro e Roberto Mendes.

Capoeira se torna patrimônio cultural brasileiro

08/07/2008
Depois de dar a volta ao mundo e alcançar reconhecimento internacional, a capoeira se tornou o mais novo patrimônio cultural brasileiro. O registro desta manifestação foi votado no dia 15 de julho, em Salvador, pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que é constituído por 22 representantes de entidades e da sociedade civil, e delibera a respeito dos registros e tombamentos do patrimônio nacional. O instrumento legal que assegura a preservação do patrimônio cultural imaterial do Brasil é o registro, instituído pelo Iphan. Uma vez registrado o bem, é possível elaborar projetos e políticas públicas que envolvam ações necessárias à preservação e continuidade da manifestação. Estiveram presentes ao evento o ministro interino da Cultura, Juca Ferreira, o governador da Bahia, Jacques Wagner, o presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida, o presidente da Fundação Palmares, Zulu Araújo, os embaixadores da Nigéria e do Senegal, além de autoridades locais. O presidente do Iphan anunciou a inclusão do ofício dos mestres da capoeira no Livro dos Saberes, e da roda de capoeira no Livro das Formas de Expressão. A divulgação e implementação dessa atividade em mais de 150 países se deve aos mestres, que tiveram sua habilidade de ensino reconhecida. Segundo o ministro interino Juca Ferreira, a votação foi um momento de reparação em relação a esta prática afro-descendente. “Nós estávamos devendo isso aos mestres de capoeira, responsáveis por uma das manifestações mais plurais e brilhantes de nossa cultura”, afirma. Diversos grupos de capoeiristas e reconhecidos mestres vieram de várias regiões do Brasil para acompanhar a votação. Num encontro representativo da presença da capoeira no país e no mundo, eles realizaram uma grande roda em frente ao Palácio Rio Branco, simbolizando o triunfo da manifestação, que já foi considerada prática criminosa no século passado (chegou a ser incluída no código penal da República Velha), e agora é reconhecida como patrimônio cultural .Um grande evento em homenagem à capoeira foi realizado no Teatro Castro Alves, onde artistas como Naná Vasconcelos - percussionista que ampliou as possibilidades sonoras do berimbau-, Roberto Mendes, Mariene de Castro, Wilson Café e Ramiro Mussoto exaltaram a importância da manifestação.

O pedido de registro da capoeira foi uma iniciativa do Iphan e do Ministério da Cultura, e é o resultado de uma ampla pesquisa realizada entre 2006 e 2007 para a produção de conhecimento e documentação sobre esse bem imaterial. Todo o levantamento foi sintetizado num dossiê final que compõe o processo de registro.

O inventário da capoeira foi produzido por uma equipe multidisciplinar de profissionais, em parceria com as Universidades Federais do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e a Federal Fluminense, sob a supervisão do Iphan. As pesquisas foram realizadas no Rio de Janeiro, Salvador e Recife, principais cidades portuárias apontadas como prováveis origens desta manifestação, e locais onde havia documentação a respeito.

Preservação do patrimônio

O plano de preservação é uma conseqüência do registro, e prevê as seguintes medidas de suporte à comunidade capoeirística: um plano de previdência especial para os velhos mestres; o estabelecimento de um programa de incentivo desta manifestação no mundo; a criação de um Centro Nacional de Referência da Capoeira; e o plano de manejo da biriba - madeira utilizada na fabricação do instrumento - e outros recursos naturais, dentre outras. Entende-se por patrimônio cultural imaterial representações da cultura brasileira como: as práticas, as forma de ver e pensar o mundo, as cerimônias (festejos e rituais religiosos), as danças, as músicas, as lendas e contos, a história, as brincadeiras e modos de fazer (comidas, artesanato, etc.), junto com os instrumentos, objetos e lugares que lhes são associados – cuja tradição é transmitida de geração em geração pelas comunidades brasileiras. Com a inclusão da capoeira, já existem 14 bens culturais registrados no Brasil.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Capoeira, patrimônio cultural do Brasil

Por - Fred Abreu




No dia 15 de julho de 2008, em cerimônia a ser realizada no Teatro Castro Alves, às 19h, o Instituto do Patrimônio Artístico Nacional (IPHAN), do Ministério da Cultura (MINC), vai apresentar o Inventário para o registro e salvaguarda da capoeira como patrimônio cultural do Brasil. O próximo passo a ser dado é na direção da consagração da capoeira no Panteão da Unesco como patrimônio da humanidade. Este reconhecimento, mais do que justo, vem num momento em que esta manifestação se legitimou como um dos principais símbolos da cultura brasileira, e que se faz presente em diversos países do mundo.Este ato de reconhecimento foi justificado pelas entidades propiciadoras, como indispensável à preservação da singularidade e representatividade da capoeira, e adoção de políticas públicas que facilitem o desempenho dos capoeiristas no exercício do seu ofício e de fazer fluir o destino da capoeira de espalhar-se pelo mundo afora. Neste sentido, o MINC já antecipou um programa de apoio a esta manifestação, denominado Capoeira Viva, com medidas que visam à valorização, promoção e consolidação da capoeira, a partir de ações que: apóiem projetos socioeducativos destinados a crianças e adolescentes; incentivem pesquisas inéditas sobre o assunto; alimentem e possibilitem o funcionamento de acervos e centros de referências; estimulem projetos que se expressem por meio de mídias e suportes digitais. Neste momento histórico, a capoeira dá por vencida as perseguições e os preconceitos que sobre ela recaíram no passado e que ameaçaram o curso da sua vida. É um momento de reverenciar os mestres Pastinha, Bimba, Noronha, Canjiquinha, Cobrinha Verde, Waldemar, Caiçara e muitos outros que, enfrentando muitas adversidades, construíram o caminho para a afirmação cultural e social da capoeira, motivo deste reconhecimento por parte do IPHAN/MINC. É significativo que a solenidade desta festa ocorra na Bahia, considerada a principal fonte matricial dos modos e maneiras de como a capoeira é praticada hoje em dia em escala mundial...

quinta-feira, 19 de junho de 2008

A história nos engana - Ladainha de Mestre Moraes

Iêêê!

A história nos engana
diz tudo pelo contrário
até diz que a abolição
aconteceu no mês de Maio.
Pra prova dessa mentira
é que da miséria
eu não saio.

Viva 20 de novembro
data pra comemorar.
Não vejo em 13 de maio
nada para se lembrar.
Muitos tempos se passaram
e negro sempre a penar.

Zumbi é nosso heroi
dos Palmares foi senhor.
Pela causa do homem negro
ele foi quem mais lutou.
Apesar de tanta luta
o negro não se libertou.

Camaradinha.

Maior é Deus!

Igreja do Bom Fim - Ladainha do Mestre Moraes

Iêêê!

Igreja do Bom Fim
e o Mercado Modelo,
Ladeira do Pelourinho
e a Baixa do Sapateiro.

Igreja de São de Francisco
e a Praça da Sé,
onde ficam as baianas,
comendo acarajé.

Por falar em Itapõan,
Lagoa do Abaeté,
essa é minha cidade,
venha quando tu quiser.

Camaradinha.

Aquinderrei.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Minha mãe sempre dizia - Ladainha Mestre Moraes

Iêêê!

Minha mãe sempre dizia,
Meu filho tenha juízo.
Mulher é muito bom,
mas tambem da prejuízo.

Eu não vô na sua casa,
pra voce não vir na minha.
Voce tem a boca grande,
vai comer minha galinha.

No lugar onde eu nasci,
de manhã tem oração.
Ajoelhado na igreja,
na cintura meu facão.

Camaradinha.

Aruandê!

Amanhã é dia santo - Ladainha Mestre Moraes

Iêêê,

Amanhã é dia santo,
dia do corpo de Deus.
Quem tem roupa vai na missa,
quem não tem faz como eu.

Casa de palha é palhoça,
se fosse o fogo eu queimava.
Toda mulher ciumenta,
se fosse a morte eu matava.

Cachorro que engole osso,
nalguma coisa se fia,
ou na goela, ou na garganta,
ou ne outra travessia.

Camaradinha,

Aquinderrei.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

QI do Berimbau

QI DO BERIMBAU
Por AndréCarvalho 02 de maio de 2008
btreina@yahoo.com.br


Mesmo sendo baiano da gema, acabo de comprar uma harpa. Fi-lo porque qui-lo, como diria o inteligentíssimo mato-grossense Jânio Quadros. Foi complicado encontrar uma harpa à venda aqui, na bendita cidade do Salvador. Baiano não é muito chegado a essas coisas. As poucas existentes estão em museus e, sabe-se de uma, em casa de um professor, doutor, coordenador universitário.
Minha harpa tem quarenta e seis cordas e sete pedais e seu desenho é semelhante àquele usado nas harpas dos Caldeus, em 600 a.C.. Tive alguma dificuldade em contar todas as suas cordas. Confesso,escabreado, que me confundi umas três ou quatro vezes e que foi necessária a ajuda de um amigo, o Antônio, muito mais sagaz que eu, para a consecução da tarefa. Apesar da passagem pela Universidade Federal da Bahia, nos idos de 70, empaco em coisas que dizem respeito à aritmética. A UFBA não tem culpa alguma, pois a questão é de QI. Também pudera, acostumado ao berimbau monocórdio, não podia ser diferente.
Optei pela harpa na esperança de elevar meu QI a números estratosféricos, seguindo uma nova teoria evolucionista que vem sendo elaborada e desenvolvida por médicos aqui da Bahia. Nunca dantes se viu coisa igual. A tese é a seguinte: quanto mais cordas você tocar,mais inteligente você é. Portanto, violonista que toca violão de doze cordas é mais inteligente do que o bandolinista que toca em oito cordas, que por sua vez é mais inteligente do que o baixista que é tão inteligente quanto o cavaquinista, e assim sucessivamente.
Como você já percebeu, na base da pirâmide do intelecto estão os tocadores de berimbau.
O que me encanta nos estudos científicos é a profusão de novas e revolucionárias idéias. Claro, pesquisa serve mesmo para isso. Pena o Brasil ter que reformar apartamentos de reitores magníficos e sobrar pouco recurso para as pesquisas. Com mais dinheiro poderíamos estudar a influência da percussão no resultado dos vestibulares, por exemplo. Bum, bum, bum, bum, bum ajuda ou atrapalha o batuqueiro a ingressar na universidade? Se ajudar, o faz mais em medicina ou engenharia? Outra pesquisa interessante seria relacionar curso a instrumento musical. Para direito é melhor tocar um instrumento de sopro, clarinete, talvez. Quer sucesso nas ciências econômicas, então toque oboé, e assim por diante. Comprovadas estas hipóteses, melhorar-se-ia muito o desempenho dosalunos nos exames avaliatórios, tipo ENADE e OAB.
Apenas uma coisinha me intriga quanto ao resultado de tudo isso. É que dentre os instrumentos que conheço, o mais parecido com a harpa é o berimbau. Na verdade o berimbau é uma harpa de corda única. É uma prova de inteligência dos seus inventores; substituir quarenta e cinco cordas e sete pedais por uma cabaça, uma vareta, um caxixi e uma pedra, e tirar daí, os sons necessários para uma existência feliz é fantástico. O berimbau é mais barato, mais leve, portátil, de fácil manutenção e mercadologicamente mais demandado. Tirante eu ou outro insano qualquer, ninguém compra uma harpa e leva pra casa, mas todo o mundo compra um berimbauzinho de lembrança, não é mesmo?
Tocar berimbau não é para qualquer um. Dizem que é um dom de Deus. Extrair de uma única corda a profusão de sons que os tocadores conseguem deve ser mesmo obra dos deuses. Imagino um berimbau tocando os famosos e harmônicos temas natalinos!!! Maravilha!!! Ansioso, espero o desenrolar das novas etapas da pesquisa.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

A mandinga, o Jogo de Capoeira e o Mestre de Capoeira

A MANDINGA

Existem povos que utilizam o corpo todo no processo de busca da perfeição e contato com o eterno, atravez de processos misticos/religiosos de meditação que usam a dança ao som de canticos e instrumentos para o desenvolvimento espiritual. O yoga, o Tai chi shuan, as danças e rituais afrobrasileiros são manifestações em que o individuo utiliza o corpo todo num processo de superação de limites individuais. Que permitem o autoconhecimento e o controle absoluto sobre suas potencialidades. De acordo com essa visão a mandinga é a oração corporal do afrobrasileiro, trejeitos de corpo, associados a posturas, movimentos e arquétipos. A ginga, passos balançados, giros, rodopios, mesuras, saudações e louvações. Até mesmo passos rituais de religião afrobrasileira podem fazer parte da movimentação do mandingueiro.

O JOGO DE CAPOEIRA

Ritual magico sagrado de origem afrobrasileira, tradição oral de preservação de conhecimentos ancestrais. O jogo celebra o ritual que atravez da mandinga "reza de corpo" o individuo exercita seu processo de desenvolvimento espiritual. Esse acontecimento produz um cadeia de energia positiva que se expande atravez da roda de capoeira.
A movimentação dos "cavalos" jogadores reproduzem movimentos e posturas caracteristicas, que identificam sua linhagem.
A reprodução de movimentos ancestrais executados em rituais sacroprofanos a mais de 5000 anos permitem o contato efetivo com os ancestrais por intemédio do jogo de capoeira.

O Mestre de Capoeira

Evidentemente esse processo necessita de um condutor ligado as vertentes originais para executar o processo de "aprontamento" dos jogadores atravez dos ensinamentos das mandigas proprias de sua linhagem ancestral. Esse é o Mestre de Capoeira, o guardião de sua linhagem.
O Mestre de Capoeira tem a preocupação com o desenvolvimento completo do individuo no plano fisico e espiritual. É o responsável pela transmissão oral em vivências onde a mandinga vai sendo passada para o jogador (aprendiz).
O Mestre de Capoeira é um "fazedor" de cabeças" um "aprontador" de mandingueiros e não um instrutor de ginastica, assim como o Mestre de Tai Chi Shuan não é um academico de educação fisica, o Mestre de Yoga tambem não esta vinculado a homologação academica. A Capoeira tambem não se enquadra nos conceitos de estrita pratica corporal e sua formação autentica ocorre pela tradição cultural, atravez de seus Mestres, responsáveis pela sua transmissão até o seculo 21. Formados em guetos de resistencia cultural em pelo menos 200 anos de história totalmente a margem do plano academico.

É importante sim que se estude a Capoeira na Academia (universidade) mas buscando a preservação de sua autentica expressão. Nunca pretendendo enquadra-la em conceitos pré-existentes e alheios, estranhos a sua tradição original.

Esse é meu pensamento sobre homologar o conhecimento e pratica da Capoeira por órgãos reguladores de profissões liberais.

GOLPE DE LETRA

Golpe de Letra
A Capoeira Angola na Literatura Brasileira

Paulo Andrade Magalhães Filho


Capangagem política e repressão policial: as maltas do Rio de Janeiro
No final do Século XIX, havia uma intensa perseguição à prática da capoeiragem no Rio de Janeiro. Até então, maltas de capoeiras interviam ativamente no processo político-eleitoral, dissolvendo comícios e empastelando jornais adversários. Segundo Carlos Líbano, em seu livro A Negregada Instituição (1994), a aliança entre maltas de capoeiras e os monarquistas atravessa 20 anos da vida política do país (1870-1890), culminando com a criação da Guarda Negra e desmoronando com o fim do regime. A jovem república, para a qual a ação política dos capoeiras, ligados ao mundo das ruas, era potencialmente perigosa, cria instrumentos legais de repressão aos mesmos. O Código Penal de 1890, no artigo intitulado "Dos vadios e capoeiras" criminalizava a capoeiragem e a vadiagem, prevendo como punição, inclusive, a deportação para ilhas-prisão como Fernando de Noronha.
No romance Memórias de um Sargento de Milícias (1854), Manuel Antônio de Almeida, apesar de não fazer referências explícitas à prática da capoeiragem, retrata bem o ambiente de perseguição à vadiagem, fazendo menção ao major Vidigal (Miguel Nunes Vidigal), delegado que foi um dos protagonistas históricos da repressão ao universo da capoeiragem na capital da república, ele próprio um exímio capoeirista.
Uma companhia ordinariamente de granadeiros, às vezes de outros soldados que ele escolhia nos corpos que haviam na cidade, armados todos de grossas chibatas, comandada pelo major Vidigal, fazia toda a ronda da cidade de noite, e toda a mais polícia de dia. Não havia beco nem travessa, rua nem praça, onde não se tivesse passado uma façanha do Sr. major para pilhar um maroto ou dar caça a um vagabundo. (...)
- Então você em que se ocupa?
Nenhum deles respondia. O major sorria-se e acrescentava com riso sardônico:
- Está bom! (ALMEIDA, 1973: 18-19)
Em O Cortiço (1890), de Aluísio de Azevedo, este conflito de maltas aparece de maneira estigmatizada, com a rivalidade política se reafirmando através de relações quase pessoais. A leitura naturalista e racializada retrata os capoeiras como elementos marginais e instintivamente propensos ao crime. A apresentação de Firmo nos traz alguns elementos para a compreensão do fenômeno das maltas e da capangagem política:
"Firmo, o atual amante de Rita Baiana, era um mulato pachola, delgado de corpo e ágil como um cabrito; capadócio de marca, pernóstico, só de maçadas, e todo ele se quebrando nos seus movimentos de capoeira. (...) Nascera no Rio de Janeiro, na Corte; militara do doze aos vinte anos em diversas maltas de capoeiras; chegara a decidir eleições nos tempos do voto indireto. Deixou nome em várias freguesias e mereceu abraços, presentes e palavras de gratidão de alguns importantes chefes de partido. Chamava a isso sua época de paixão política". (AZEVEDO, 1995: 73-74)
Naquela época diversas maltas disputavam espaço nas ruas do Rio, dentre as quais destacavam-se os "nagôas" e os "gaiamus", dos quais Aluísio talvez tenha tirado inspiração para descrever seus cabeças-de-gato e carapicus:
E os cabeças de gato aproximavam-se cantando, a dançar, rastejando alguns de costas para o chão, firmados nos pulsos e nos calcanhares. Dez carapicus saíram em frente; dez cabeças-de-gato se alinharam defronte deles. E a batalha principiou, não mais desordenada e cega, porém com método, sob o comando de Porfiro que, sempre a cantar ou assoviar, saltava em todas as direções, sem nunca ser alcançado por ninguém. Desferiram-se navalhas contra navalhas, jogaram-se as cabeças e os voa-pés. Par a par, todos os capoeiras tinham pela frente um adversário de igual destreza que respondia a cada investida com um salto de gato ou uma queda repentina que anulava o golpe. (AZEVEDO, 1995: 172)
Diferente da maioria das interpretações, que enxerga as maltas como grupos marginais que agiam movidos pelo dinheiro, comandados a bel-prazer pelos grupos políticos dominantes, Líbano afirma que
o papel exercido por estes grupos era fruto de uma opção política. (...) Uma opção alimentada por uma ânsia de participação no processo político, e por uma visão política muito especial, parte de um processo de partidarização do cotidiano politizado das classes populares urbanas. (SOARES, 1994: 207-242)
A literatura desta época nos permite compreender aspectos da lógica repressiva, que encarava os capoeiras e populares como vadios e marginais, e os perseguia e punia sob o discurso de manutenção da ordem social vigente.

Racialismo e controle social na Cidade da Bahia
Na cidade de Salvador, a repressão não foi direcionada ao fenômeno da capoeiragem em si, como no Rio de Janeiro, mas foi concentrada nos terreiros de culto afro-brasileiro e nos ambientes boêmios, palcos da capoeiragem baiana. A partir do estudo sistemático de arquivos policiais do início do século passado em Salvador, Josivaldo Pires (contramestre Bel) conclui: "podemos afirmar que a repressão à capoeiragem em Salvador foi resultante da perseguição aos agentes dessa prática cultural, mas que nem sempre estes eram os vagabundos apontados pelo discurso da ordem". (OLIVEIRA, 2005: 121)
O início do Século XX foi intensamente marcado pelas teorias racistas de intelectuais como Cesare Lombroso, Arthur Gobineau e Nina Rodrigues, este pioneiro dos estudos negros na Bahia e patrono do Instituto Médico Legal - IML da Polícia Civil (que continua recolhendo principalmente negros e mulatos). De acordo com esse pensamento criminológico pseudo-científico, negros e mestiços teriam uma natural propensão ao crime, constituindo suas manifestações culturais potenciais estímulos a comportamentos bárbaros, primitivos e anti-sociais.
Em seu romance Tenda dos Milagres (1969), Jorge Amado aponta a Faculdade de Medicina como principal reduto destas teorias racialistas na Bahia, que justificavam a repressão policial ao universo da cultura afro-brasileira, inclusive com a proibição de afoxés desfilarem em alguns carnavais.
Nesses livros, e nos trabalhos de Nina Rodrigues e Oscar Freire, o estudante Pedrito Gordo, nas sobras do tempo dedicado às pensões de mulheres, aprendera que negros e mestiços possuem natural tendência ao crime agravada pelas práticas bárbaras do candomblé, das rodas de samba, da capoeira, escolas de criminalidade a aperfeiçoar quem já nascera assassino, ladrão, canalha. (AMADO, 1969: 170)
Pedrito Gordo, paralelo ficcional do delegado de polícia Dr. Pedro de Azevedo Gordilho, atuou ativamente na repressão à cultura negra na segunda década do derradeiro século, na capital baiana:
De 1920 a 1926, enquanto durou o reinado do todo-poderoso delegado auxiliar, os costumes de origem negra, sem exceção, das vendedoras de comida até os orixás, foram objeto de violência contínua e crescente. O delegado mantinha-se disposto a acabar com as tradições populares a porrete e a facão, a bala se preciso.
O samba de roda foi exilado para o fim do mundo, ruelas e casebres perdidos. As escolas de capoeira fecharam suas portas, quase todas. Budião passou uns tempos escondidos, Valdeloir comeu da banda podre. Com os capoeiristas, a coisa fiava mais fino, os secretas não os enfrentavam de peito aberto, tinham medo. De longe e pelas costas, era mais seguro. De vez em quando o corpo de um capoeirista aparecia crivado de balas na madrugada, tiros de tocaia, obra da malta de facínoras. (AMADO, 1969: 192)
Na releitura ficcional de Jorge Amado, os capoeiristas seriam guardiões dos terreiros, guerreiros negros e mestiços na batalha de resistência à polícia. Com seu personagem "Pedro Archanjo", exímio capoeira, boêmio das ruas e madrugadas da Bahia, iniciado no candomblé como Ojuobá, Amado faz um contraponto às teorias racialistas, a partir da ótica da democracia racial. Também faz, como em outros livros, um elogio da malandragem, da boemia, diluindo o estigma negativo ligado à vadiagem capoeirística. E cita como referência a escola de um tal Mestre Budião: "Ao lado da Igreja do Rosário dos Pretos, num primeiro andar com cinco janelas abertas sôbre o Largo do Pelourinho, mestre Budião instalara sua Escola de Capoeira Angola". (AMADO, 1969: 7)
Sabemos, entretanto, que nas duas primeiras décadas do século XX, quando se passa a narrativa, não havia escolas de capoeira em Salvador, sendo o Centro Esportivo de Capoeira Angola fundado somente em 1941, por Mestre Pastinha. O CECA veio ocupar, a partir de 1955, o prédio da Ladeira do Pelourinho nº 19, exatamente ao lado da Igreja do Rosário dos Pretos. A descrição que Amado faz de mestre Budião mais à frente apresenta novas evidências:
Na Escola de Capoeira, no primeiro andar vizinho à igreja, mestre Budião, sentado no banco, olhava fixo em frente, seco de pele e ossos, atento aos ruídos e sozinho. Aos oitenta e dois anos um derrame o possuíra como se não bastasse a cegueira. Mas ainda assim, nas noites de sala repleta, assumia o berimbau e puxava o canto. (AMADO, 1969: 29)
Mestre Pastinha também passou seus últimos anos cego, após um derrame, e há testemunhos de que ele continuou freqüentando as rodas, chegando por vezes a jogar nessa condição. Estes elementos nos permitem concluir ser Mestre Pastinha o inspirador direto de Mestre Budião, ambientado algumas décadas antes.
O romance também traz outros paralelos com personagens reais, como o major Damião de Souza, que não deve ser outro senão o major Cosme de Farias, rábula popular que nas palavras de Jorge Amado, "não é apenas uma individualidade marcante, um nome querido pelos pobres, um tipo curioso. Ele é muito mais que isso: é uma instituição." (AMADO, 1945: 212). Árduo defensor das classes populares, o major Cosme de Farias (que teve um bairro soteropolitano batizado em sua homenagem) foi vitorioso em milhares de causas, tendo por clientes inclusive muitos capoeiristas envolvidos em conflitos com a lei, como Bastião, Pedro Porreta, Scalvino e Chico Três Pedaços, dentre outros.

De caso de polícia a cultura nacional
A década de 1930 foi marcada por uma aceitação progressiva da capoeira enquanto fenômeno esportivo, ligado às lutas de ringue; e cultural, auxiliada por intelectuais como Edison Carneiro e Jorge Amado, ambos envolvidos na organização do 2º Congresso Afro-Brasileiro. Realizado em Salvador em Janeiro de 1937, o Congresso constituiu um importante momento de articulação sócio-política das manifestações culturais de matriz africana, abrindo caminhos para a valorização, como parte da cultura afro-baiana, do "folclore" e da identidade nacional, o que até então era caso de polícia. De acordo com Josivaldo Pires,
Podemos considerar que o uso da cultura engendrou no universo da capoeira baiana importantes mudanças, dentre elas a do comportamento social do próprio capoeira, que deixava de ser o "capadócio das ruas" para tornar-se agente cultural, o mestre da capoeira. (...) As resistências dos capoeiras encontraram nesse ambiente de mudança cultural elementos que vieram a legitimar sua prática. Esses agentes culturais vieram reclamar à capoeira o estatuto de parte da cultura afro-brasileira e impunham esta condição aos segmentos do poder da sociedade de então. (OLIVEIRA, 2005: 131)
A história da capoeira, entretanto, foi modificada radicalmente a partir da década de 30 por um capoeirista chamado Manoel dos Reis Machado, o mestre Bimba (1899-1974). Mestre Bimba não aceitava alunos que não trouxessem certificado de trabalho ou estudo, pois não queria "vadios" em sua academia. Por conta disso, chegou a ser acusado de racista. O disco "Curso de Capoeira Regional" trazia no final de seu prefácio: "mestre Bimba que criou a sua escola de 'capoeira regional' repleta de alunos de famílias da sociedade bahiana". Mestre Luiz Renato Vieira interpreta esse critério de seleção como "uma clara intenção de restringir a Capoeira Regional aos setores sociais privilegiados". E vai além: "Sem dúvida, a preocupação de Mestre Bimba com a formulação de uma capoeira eficiente, do ponto de vista do combate corporal, reflete o espírito militar que se difundiu na sociedade brasileira no período de surgimento da Capoeira Regional". (VIEIRA, 1995)
Jorge Amado, em seu livro Bahia de Todos os Santos (1945), tece fortes críticas à capoeira regional:
Há alguns anos os arraiais da capoeira, na Bahia, foram palco de uma grande e apaixonante discussão. Acontece que mestre Bimba foi ao Rio de Janeiro mostrar aos cariocas da Lapa como é que se joga capoeira. É lá aprendeu golpes de catch-as-catch-can, de jiu-jitsu, de box. Misturou tudo isso à capoeira de Angola, aquela que nasceu de uma dança dos negros, e voltou à sua cidade falando numa nova capoeira, a capoeira regional. Dez capoeiristas dos mais cotados me afirmaram, num amplo e democrático debate que travamos sobre a nova escola de mestre Bimba, que a "regional" não merece confiança e é uma deturpação da velha capoeira "angola", a única verdadeira. Um deles me afirmou mesmo que não teme absolutamente um encontro com o mestre Bimba, apesar de sua fama. Não foi outra a opinião de Edmundo Joaquim, conhecido por Bugalho, mestre de berimbau nas orquestras de capoeira, nome respeitado em se tratando de coisas relacionadas com a "brincadeira". O mesmo disseram Domingos e Rafael que mantêm na roça de Juliana uma escola de capoeira, das mais afamadas da cidade. Concorrente da que se encontra sob a competente direção de Vicente Pastinha, de quem todos afirmam ser o melhor e mais perfeito lutador de capoeira angola da Bahia. (AMADO, 1945: 212)
Percebe-se assim um claro posicionamento contra a "deturpação" da capoeira tradicional, representada pela invenção da capoeira regional. Assim como Jorge Amado, muitos intelectuais visitavam as rodas de capoeiragem da Bahia, como relata Frede Abreu:
Jorge Amado, Pierre Verger, Mário Cravo, Eunice Catunda, Alceu Maynard, Oneida Alvarenga, Odorico Tavares, Carlos Ott, Carybé e outros freqüentaram as rodas da Liberdade, sendo recebidos por Waldemar, da mesma forma diplomática a eles destinada por Bimba, Pastinha, Noronha e outros mestres. (ABREU, 2003: 43)
Nesse sentido, a intelectualidade baiana teve um importante papel na defesa da capoeira de raiz, como demonstra o firme posicionamento de Jorge Amado em suas observações. Além de antigos mestres Samuel Querido de Deus, Traíra e Najé, Jorge Amado faz um profundo elogio de Mestre Vicente Ferreira Pastinha (1889-1981):
"Mestre Pastinha tem mais de setenta anos. É um mulato pequeno, de assombrosa agilidade, de resistência incomum. Quando ele começa a 'brincar', a impressão dos assistentes é que aquêle (sic) pobre velho, carapinha branca, cairá em dois minutos, derrubado pelo jovem adversário ou bem pela falta de fôlego. Mas, ah! Ledo e cego engano!, nada disso se passa. Os adversários sucedem-se, um jovem, outro jovem, mais outro jovem, discípulos ou colegas de Pastinha, e ele os vence a todos e jamais se cansa, jamais perde o fôlego, nem mesmo quando dança o 'samba de Angola'. (...)
Quem fôr à Bahia não deve perder o extraordinário espetáculo que é mestre Pastinha no meio do salão jogando a capoeira, ao som do berimbau. E quando ele (sic) não está lutando, não vai descansar. Toma de um berimbau, puxa as cantigas. Para mim, Pastinha é uma das grandes figuras da vida popular da Bahia. É indispensável conhecê-lo, conversar com ele, ouvi-lo contar suas histórias, mas, sobretudo, vê-lo na 'brincadeira', atingindo adversários". (AMADO, 1945: 211)
Apesar de Mestre Bimba ter sido o primeiro a fundar oficialmente uma academia de capoeira (1937), Mestre Pastinha foi o primeiro a fundar uma escola de capoeira (Centro Esportivo de Capoeira Angola, 1941), a pensar na capoeira como um instrumento pedagógico, de alto teor filosófico, e é isso que transparece em seus manuscritos. Sua escolha pela comunidade da capoeira tradicional, que resistia à proliferação da capoeira moderna, da moda, a luta regional baiana, não foi apenas pelo seu conhecimento técnico e domínio corporal. Como Mestre Pastinha conta, ele estava afastado há quase 30 anos da prática sistemática e cotidiana da capoeiragem. A sua escolha para "mestrar" a capoeira tradicional baiana, que passou então a ser chamada de capoeira angola, foi pelo seu grau de mestria, pelo seu alto conhecimento espiritual e filosófico, pelo seu caráter de educador. E é assim que ele mesmo se define: "É o educador da capoeira tipo Angola originado pelos negros da velha África". (PASTINHA, 90)

Baianidade, cultura afro e democracia racial
A partir da revalorização da cultura brasileira promovida pelos modernistas de 1922 e do elogio da mestiçagem feito por Gilberto Freyre (1933), começa a se construir uma ideal de baianidade. Essa "idéia de Bahia" (Pinho, 1998) transparece em canções de Dorival Caymmi (como em O Que É Que a Baiana Tem?, de 1938, eternizada por Carmem Miranda) e outros artistas. Em 1944 Geraldo Pereira compõe Falsa Baiana, que reforça o mito da mulher sensual, cantando que "Baiana é aquela que entra no samba de qualquer maneira, que mexe, remexe, dá nó nas cadeiras, deixando a moçada com água na boca". A política de boa vizinhança desenvolvida pelos EUA a partir da década de 40 cria o personagem Zé Carioca, um papagaio cheio de ginga, preguiçoso, folgado, "trambiqueiro" e paquerador. É o típico malandro tropical clichê, decorado com as cores da bandeira do Brasil no corpo e as da bandeira dos Estados Unidos nas penas do rabo. Em 1942 Walt Disney lança Alô amigos e em 1945 Você já foi à Bahia? (Os três cavaleiros), simbolizando a aliança entre Estados Unidos, México e Brasil, que unidos à causa dos Aliados, lutavam na Segunda Guerra Mundial. Cria-se então uma ideologia da baianidade como uma forma cultural específica, em que o racismo é dissolvido pela doçura das relações sociais, o povo é alegre e festivo, as mulheres (especialmente as mulatas) quentes e sensuais. De acordo com Osmundo Pinho,
A "cultura baiana" não é, assim, o resultado natural de décadas de desaquecimento econômico e isolamento cultural, como advoga o poeta e ensaísta Antonio Risério (1988), um de seus publicistas, mas é, na verdade, um aparelho de interpretação e definição de uma realidade social cruel e violenta, magicamente transformada em festiva e auto-emulativa. Ao invés de um objeto natural e resultante da expressão espontânea de uma população considerada, o modelo de "cultura baiana", como um repertório de traços mais ou menos arbitrários, é um objeto discursivo construído e reposto como argamassa ideológica para a Bahia como comunidade imaginada e como "dissolvente" simbólico de contradições raciais, de modo a concorrer para a construção do consenso político (hegemonia), base para a dominação. (PINHO, 1998)
Conclusão
No dia 29 de Abril de 2008, as baixas notas obtidas pelos cursos de medicina da Bahia no Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) motivaram uma série de declarações polêmicas do Coordenador de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Prof. Dr. Antônio Natalino Manta Dantas. Segundo Antônio, que aos 69 anos é o mais antigo professor em atividade na Faculdade de Medicina (há 42 anos no corpo docente), "a cultura baiana é muito primitiva", e "o baiano toca berimbau porque só tem uma corda. Se tivesse mais, não conseguiria"[1][1]. De acordo com ele,
O berimbau é o tipo do instrumento do individuo que tem poucos neurônios, porque tem uma corda só e não precisa de muita celebração pra combinar sons musicais.(...). Só sai aquele barulho: pu pu pu, pu pu pu, pu pu pu. Isso por acaso indica uma qualidade intelectual muito elevada? Não.[2][2]
As declarações do prof. Antônio Natalino demonstram a atualidade do pensamento racialista, profundamente incrustado nas classes dominantes brasileiras. O elogio da imigração como fator determinante para o desenvolvimento do sudeste mostra claramente o caráter étnico-racial de suas concepções:
o baiano (...) talvez tenha déficit em relação a outras populações. Não temos aquele desenvolvimento que poderíamos ter. Se comparados com os estados do Sul, vemos que a imigração japonesa, italiana e alemã foram excelentes para o país. Aqui ficamos estagnados. [3][3]
O caricatural prof. Nilo Argolo, personagem racista de Tenda dos Milagres, continua presente em cátedras e espaços privilegiados de poder, atuando apenas de maneira mais camuflada. A polícia baiana, que vem sendo acusada por movimentos sociais de promover uma verdadeira política de extermínio em favelas e periferias, ainda age de acordo com uma lógica lombrosiana, elencando negros e mulatos pobres como criminosos em potencial e promovendo uma violenta "higienização social", à semelhança da "tropa de elite". A idéia de "baianidade" ajuda a formatar Salvador e a cultura afro-brasileira como produtos de consumo, um universo mítico a ser apreendido pela indústria do turismo, mas não altera profundamente as relações sociais de poder na sociedade baiana. A homenagem feita à capoeira como tema do carnaval de 2008 foi simbólica, uma vez que a maioria dos capoeiristas continuaram confinados no seu lugar social, fora das cordas ou segurando-as para que a burguesia celebre a fantástica democracia racial baiana. A literatura brasileira tem representando a capoeira ora como uma prática vadia, ora como um espaço de conciliação, não conseguindo entretanto expressar sua riqueza como instrumento de resistência e luta popular contra as diferentes estratégias do poder.

[1][1] Retirada de matéria encontrada em http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u397281.shtml
[2][2] Entrevista em áudio, retirada de http://educacao.uol.com.br/ultnot/2008/04/30/ult105u6467.jhtm
[3][3] Entrevista em áudio, retirada de http://educacao.uol.com.br/ultnot/2008/04/30/ult105u6467.jhtm


Referências:
Abreu, Frederico José de. O Barracão do Mestre Waldemar. Salvador: Zarabatana, 2003.
Almeida, Manuel Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias. São Paulo: Ática, 1973
Amado, Jorge. Bahia de Todos os Santos. São Paulo: Martins, 1945.
Amado, Jorge. Tenda dos Milagres. São Paulo: Martins, 1969.
Azevedo, Aluísio de. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1995.
Freyre, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro: Schimidt, 1933.
Hobsbawn, Eric. A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
Oliveira, Josivaldo Pires de. No tempo dos Valentes: Os capoeiras da cidade da Bahia. Salvador: Quarteto, 2005.
Pastinha, Vicente Ferreira: Capoeira Angola. Salvador, 1964.
Pastinha, Vicente Ferreira: Manuscritos de Mestre Pastinha. Salvador, Coleção São Salomão.
Pinho, Osmundo S. de Araújo. "A Bahia no Fundamental": Notas para uma Interpretação do Discurso Ideológico da Baianidade. São Paulo: Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 13, nº 36, 1998.
Rego, Waldeloir. Capoeira Angola: Ensaio Sócio-Etnográfico. Salvador: Itapuã, 1968.
Soares, Carlos Eugênio Líbano. A Negregada Instituição: Capoeiras no Rio de Janeiro (1850-1890). Rio de Janeiro, 1994.
Vieira, Luiz Renato. O Jogo da Capoeira: Cultura Popular no Brasil. Rio de Janeiro: Sprint, 1995.

sábado, 19 de abril de 2008

O Principe Custódio e o Batuque no Rio Grande do Sul

1. O Aspecto Histórico:

Com a chegada dos negros escravos, oriundos das várias regiões africanas, aportaram por aqui, várias etnias africanas - dentre elas a etnia Nagô.

Originariamente, os Nagôs eram mais concentrados na região denominada Daomei, hoje Reino de Benin, cujo Rei (Oba) chama-se Osanlelê III (carinhosamente conhecido no meio antropológico por Vô).

Com o advento da invasão inglesa, no início do século passado, aqui chegou um Príncipe chamado Osanlelê do Sapatá Erupê, que para evitar o derrramamento do sangue de seu povo, fez um acordo com a coroa inglesa de auto exilar-se. Em troca, a coroa britânica manteria sua família e a sua côrte no exílio.

O local escolhido pelo Príncipe Custódio Joaquim de Almeida foi o Brasil, especificamente o Rio Grande do Sul, aportando em Rio Grande, após Pelotas e finalmente radicando-se em Porto Alegre, na rua Lopo Gonçalves, bairro Cidade Baixa. Levando uma intensa vida social, política e religiosa. Ainda hoje é possível o contato pessoal com uma descendente direta do Príncipe Custódio, sua neta, Princesa Serafina e seus filhos.

Esse breve relato exemplifica a peculiriadade da colonização gaúcha pelos negros, bem diferenciada do restante do país, pois aqui a grande maioria dos negros cativos eram oriundos da nobreza ou guerreiros.

Os Nagôs sofreram uma miscigenação étnica muito acentuada devido não serem um povo dado às lides da guerra, e sim da cultura. Eram habilidosos artesãos, políticos experientes dado às várias invasões que sofreram em sua terra natal mesmo antes da invasão inglesa, quando por várias vezes foram praticamente dizimados e os poucos que sobravam eram obrigados a migrarem pela África e países vizinhos para com isso, absorverem outras culturas e daí sempre ressurgindo um povo mais culto e a cada migração miscigenado com outras culturas étnicas.

2. O Aspecto Religioso:

No aspecto religioso o povo Nagô ainda observa a herança cultural da ancestralidade africana, principalmente no tocante aos vários rituais praticados. Especificamente no Templo de Umbanda Nagô Reino dos Orixás, esta diversidade é mais observada. Haja visto que neste ritual é o Exú (Exú-Bará) o elo de ligação dos homens com os Orixás. Em outros rituais, Oiós; Bantos; Cabindas; Gegê; Jexás e outros, inclusive outras ramificações Nagôs, o Exú abre os caminhos para que os Orixás cheguem no mundo e atendam os homens.

3. Os Orixás:

Os Orixás africanos em sua terra ancestral eram cultuados em número aproximado de 650 divindades, todos eles caracterizam-se por feitos excepcionais em suas diversas regiões de origem e sempre ligados ao aspecto telúrico. Hoje cultuam-se no Brasil, basicamente oito Orixás dos sessenta e poucos trazidos pelos negros ancestrais.

4. Os Orixás mais cultuados no Ritual Nagô:



Oxalá: o filho de Olurum (Deus).

Oxosse: senhor das matas, sincretizado com São Sebastião.

Ogum: senhor das armas e das guerrass, sincretizado com São Jorge.

Xangô: senhor da justiça, sincretizado com São Gerônimo.

Ibeji: o aspecto infantil, sincretizado com São Cosme e São Damião.

Exú-Bará: o plano terreno, o aspecto da rua, sem sincretismo.

Iemanjá: deusa das águas salgadas, sincretizada com Nossa Senhora dos Navegantes.

Oxum: deusa dos rios e cachoeiras, sincretizada com Nossa Senhora da Conceição.

Iansã: deusa dos ventos e das tempestades, sincretizada com Santa Bárbara.

Xangô Orixá de Nagô: filho de Inaminã, sem sincretismo.

5. Considerações Finais

Para concluir este breve trabalho, que mostrou uma pequena parcela da riqueza dos cultos Afro-brasileiros quero declarar que concentrei a pesquisa na nação Nagô, devido ao fato de que é nesta nação que nasci e fui criada, de maneira tal que, a religiosidade passou a ser uma parte sagrada de mim e daqueles que são meus irmãos de fé.

Toda a minha família paterna, incluindo minha mãe, é devota da religião, salientado o fato de que meus pais, tios, avós paternos e uma prima são iniciados prontos, que dedicam, por livre e espontânea vontade, uma parte valiosa da vida à nossa religião.

Um Príncipe Negro em Porto Alegre
São João Batista de Ajudá era uma fortaleza portuguesa, no Daomé, outrora muito povoada por cristãos negros. Foi construída, por ordem do rei D. Pedro II, para proteger o importante comércio que então os portugueses faziam na Costa da Mina, território à beira do Oceano Atlântico, no golfo da Guiné. Daomé foi colônia de vários países, até que a Grã-Bretanha comprou a parte dos demais ocupantes, tornando Daomé inteiramente propriedade inglesa. Os ingleses, então, tiveram de entrar em acordo com os reis e príncipes negros que governavam as terras. Um desses acordos resultou na deportação de um rei africano. Com outros governantes, foram feitos acordos financeiros, por eles aceitos, a fim de evitar o massacre do seu povo. Entre estes, estava o príncipe de São João Batista de Ajudá, que deixou sua terra na Costa da Mina. Não se sabe por qual motivo o exilado escolheu o Brasil. Talvez por haver aqui grande número de descendentes de escravos nativos da Costa da Mina, os chamados pretos-mina. Inicialmente, fixou-se em Rio Grande e, mais tarde, foi para o interior de Bagé, onde ficou conhecido por manter viva a tradição religiosa de seu povo, com a prática que hoje se conhece como batuque. De Bagé, mudou-se para Porto Alegre, adotou o nome Custódio Joaquim de Almeida e tornou-se um líder de sua raça. Rodeado pela nobreza, viveu muitos anos em Porto Alegre e conservou todos os hábitos de origem e os ritos da seita africana. Morto em 1936, aos 104 anos, com ele desapareceu uma das figuras mais impressionantes da capital gaúcha


Mercado Público é templo de religiões afro-brasileirasA história resolveu jogar uma pá de cal sobre Custódio Joaquim de Almeida, o primeiro negro a comandar o poder gaúcho nos bastidores. Manejando os membros mais ilustres de sua época, é um nome que sempre arrepiou os que escreveram a história branca do Estado. Depois de peregrinar em vão pela Bahia e Rio de Janeiro, os búzios indicaram ao príncipe exilado de sua terra, Benin — entre a Nigéria e o Togo —, pela coroa inglesa, o Rio Grande do Sul como uma espécie de terra prometida. Alcançou o porto de Rio Grande em 1864 e chegou a Porto Alegre no início do século passado. Circulou como um branco livre, em plena escravatura, pela corte rio-grandense, de braços dados com ilustres líderes políticos, de Júlio de Castilhos a Getúlio Vargas, que durante seu governo perseguiu os seguidores das religiões afro.
Custódio plantou o Bará, orixá que, segundo a tradição, abre e fecha os caminhos, em 7 pontos da capital gaúcha. Entre esses lugares estaria o Palácio Piratini e o Mercado Público, que trouxe a figura do príncipe negro de volta durante a reforma do prédio histórico, em 1993. O prédio é um lugar místico para os adeptos dos terreiros há mais de cem anos. Depois de ficar dias a fio deitados com a cabeça marcada pelo sangue de animais, o seguidor do Batuque levanta e vai ao Mercado cumprir o ritual do passeio. Na prática, há os que dizem que a figura do príncipe negro não passe de uma lenda; e os que procuram desenterrar uma história bem escondida. Morto aos 104 anos, em 1936, Custódio deixou um legado espiritual que tem pesado por mais de um século sobre o Rio Grande do Sul.




Um Príncipe Negro Morou em Porto Alegre - Parte 2Os portugueses antes poderosos tinham se contentado com uma parte do Guiné e com as Ilhas de São Tomé e Príncipe cedendo as suas fortalezas. As condições para que o Príncipe de Ajudá não oferecesse qualquer resistência aos invasores, além pelo respeito à vida dos seus súditos, era a de que se exilasse e jamais voltasse aos seus domínios. E, como parte do convênio, a Grã-Bretanha se comprometia a fornecer-lhe uma subvenção mensal paga em qualquer parte do mundo onde estivesse, por intermédio dos seus representantes consulares.Por qual motivo o exilado escolheu o Brasil, não se sabe. Talvez por haver aqui grande número de descendentes dos escravos nativos da Costa da Mina - os chamados "pretos-mina" - ou outra qualquer razão; sua chegada a nossa terra foi assinada com acontecida em 1864, dois anos depois de ter deixado Ajudá. Inicialmente fixou-se em Rio Grande mais tarde foi para o interior de Bagé onde ficou conhecido por manter viva a tradição religiosa do seu povo - com a prática do que agora se conhece como Batuque - além de mostrar conhecimentos das propriedades curativas da nossa flora medicinal, atendendo muita gente doente que o procurava, tratando de minorar-lhes os males por meio de ervas e rezas dos ritos africanos.De Bagé mudou-se para Porto Alegre onde chegou em 1901 com 70 anos de idade. Foi morar na Rua Lopo Gonçalves, nº498, cujos fundos davam para a Rua dos Venezianos(hoje Joaquim Nabuco), mas logo que o príncipe que havia adotado o nome brasileiro de Custódio Joaquim de Almeida - ali se instalou, passou a rua a ser preferida pela gente de cor que procurava com isso acercar-se do homem que incontestavelmente, era um líder de sua raça.O príncipe Custódio - como então era chamado - iniciou-se ali uma nova etapa de sua aventurosa vida, cercando-se em Porto Alegre de um aparato digno de um verdadeiro fidalgo.A família do príncipe de Ajudá aos poucos foi crescendo e não demorou a atingir o número de 26 pessoas, sem contar os empregados em boa quantidade.Os fundos da casa onde morava - com saída à Rua dos Venezianos (Joaquim Nabuco, hoje) - servia para a sua coudelaria, pois possuía nada menos do que nove cavalos de raça - alguns importados da Inglaterra - os quais todos os domingos disputavam corridas. Para manter e cuidar esses animais havia um grupo selecionado de empregados, jóqueis, etc., sob a supervisão direta do príncipe, que se classificava como "tratador". O príncipe Custódio tinha oito filhos, três homens e cinco mulheres (atualmente ainda estão vivos um homem - Dionísio Joaquim Almeida, funcionário aposentado da EBCT - em Porto Alegre, e duas senhoras, uma residindo no Rio de Janeiro e outra em São Paulo) e para esses oito filhos, quando pequenos, mantinha quatro empregados, um para cada dois.

Um Príncipe Negro Morou em Porto Alegre - Parte 3Seus conhecimentos de idioma português não eram muito corretos, porém podia expressar-se fluentemente em inglês e francês, além de falar ainda vários dialetos das tribos africanas que havia governado. As festas a que levava a efeito periodicamente em sua casa - notadamente na data de seu aniversário - duravam três dias com a casa sempre cheia de gente, da manhã à noite, se comia e se bebia do bom e do melhor ao som dos tambores africanos que batucavam sem parar naquelas setenta e duas horas. E nesses dias o príncipe recebia a visita da gente mais ilustre da cidade, inclusive do presidente do Estado, Borges de Medeiros que, conhecendo a ascendência daquele homem sobre a população de cor, ia felicitá-lo, talvez mais por motivos políticos do que por outra coisa. Naquelas festividades era certo o comparecimento de senhoras e cavalheiros da melhor sociedade porto-alegrense, além de capitães da indústria e comércio que dele precisavam o apoio para o perigo de greves e outras imposições. As mais finas bebidas eram importadas diretamente da Europa, especialmente para aquelas ocasiões especiais, embora elas nunca faltassem a mesas do príncipe exilado. A casa do príncipe vivia sempre lotada de gente, de visitantes e de pessoas que ele encontrava nas ruas e lhe pediam auxílio. Mandava essas pessoas embarcarem na carruagem em que estivesse e as levava para a sua residência onde sempre havia lugar para mais um . Todos ali ficavam até que quisessem ir embora. Entre os que viveram muito tempo junto ao príncipe estava um branco, desdente de alemães oriundo de São Sebastião do Caí, que tinha feito estudos de medicina e dessa maneira o auxiliava no atendimento aos doentes que continuamente o procuravam em busca dos remédios e dos "trabalhos" do chefe africano exilado.Para os rigores do inverno o príncipe Custódio adotou o poncho gaúcho, embora não dispensasse o gorro que marcava a sua personalidade, não o deixando nem quando visitava o Palácio Piratini onde sempre era bem vindo e onde havia ordens superiores de bom atendimento, e onde ele muitas vezes usava o seu prestígio para conseguir alguma coisa que lhe fosse solicitada por qualquer membro de sua comunidade.Durante todos os anos em que viveu em Porto Alegre - 31 ao todo - nunca manteve correspondência ostensiva com parentes ou amigos deixados em terras africanas. De lá recebia informações e daqui envia notícias suas em mãos por intermédio de marítimos que tripulavam vapores vindos à nossa metrópole transportando e levando mercadorias. Também nunca se soube o teor dessas correspondências. De incentivo ao seu povo para uma possível rebelião não era. Pois ele sabia ser isso humanamente impossível. Além disso, a Inglaterra, em todo o longo período do seu exílio, sempre cumpriu religiosamente o que fora estipulado. Mensalmente o consulado britânico local entregava-lhe um saquinho cheio de libras esterlinas, cuja troca em mil-réis servia para manter a pequena corte da Rua Lopo, a família numerosa, os agregados, os empregados, e ainda serviam àqueles que o procuravam nos momentos de aperturas financeiras.

Um Príncipe Negro Morou em Porto Alegre - Parte 4No verão, em janeiro, o programa era conhecido. Ia todo mundo para a casa de propriedade de Custódio Joaquim de Almeida, na Praia de Cidreira. A viagem para o velho balneário era qualquer coisa de sensacional e folclórico. Embora fosse dono de carruagem e tivesse dinheiro para alugar quantas diligências quisesse, o príncipe gostava de viajar em carretas puxadas por bois na maior calma e na mais incrível lentidão. E ainda mais: a viagem era feita por etapas em ritmo de passeio, parando em muitos lugares onde ele era sempre esperado com festas e cerimônias religiosas africanas, muita comida e muita bebida, pois todos sabiam que tudo seria pago pelo viajante ilustre. Dessa maneira nunca o trajeto de Porto Alegre à Cidreira era feito em menos de uma semana. Quando eram gastos apenas cinco dias, considerava-se um recorde de velocidade.
Com as carretas de transporte dos passageiros seguiam outras carregadas de mantimentos, inclusive muitos sacos de milho e dezenas de fardos de alfafa, aos cuidados dos empregados, pois os cavalos de corrida do príncipe também iam aos banhos de mar. Isso, ele como treinador e tratador, fazia questão fechada.
A maior festa que a Cidade Baixa já viu foi quando Custódio completou cem anos de idade. Nesse dia muita gente "bem" foi abraçá-lo em sua casa, e ele, dando demonstração de sua vitalidade exuberante, montou a cavalo sem receber qualquer ajuda. Aliás, isto ele fez até poucos dias antes de sua morte, quatro anos depois.No dia 26 de maio de 1936 morreu o príncipe Custódio aos 104 anos de existência. Seu velório e seu enterro, atendendo ao pedido expresso do morto, foi feito dentro das tradições africanas com muito batuque e muitos "trabalhos", em intenção do morto.Com ele desapareceu uma das figuras mais impressionantes e esquisitas da nossa cidade, e muita gente ficou desamparada, pois a subvenção paga mensalmente em libras pelo governo inglês extinguiu-se com a morte do príncipe de Ajudá.
A Religião Africanista no Brasil Os africanos trouxeram consigo as suas culturas originais e, junto a elas, todo um corpo de crenças e rituais religiosos.Atualmente as religiões africanas afirmam sua sobrevivência de maneira flagrante do norte até o sul do país. Tais religiões sobrevivem graças ao sincretismo entre elas próprias, entre elas e o catolicismo (religião dominante), e entre elas e o espiritismo. Esta mistura de crenças e rituais é tão evidente que já não dizemos no Brasil religiões "africanas" e sim religiões "afro-brasileiras".
O continente africano pode ser dividido em duas partes, cortando á altura do Golfo da Guiné. Dessa linha para cima, as culturas negras são chamadas sudanesas e desse paralelo para baixo, chamados de bantos.Dos negros sudaneses, as culturas que mais pesaram no Brasil foram a nagô e a gêge, provenientes da Nigéria e do Daomé respectivamente. Coube à cultura nagô (iorubana) a hegemonia em todo o Brasil, de norte a Sul.
Já na África, essas e outras culturas influíam-se reciprocamente. Com o périplo africano realizado pelos navegadores portugueses, chegaram às costas africanas as "missões", as crenças e rituais cristãos, especialmente católicos, que deram origem ao sincretismo com os cultos negros.
Este fenômeno foi muito acentuado no Brasil, devido à promiscuidade das senzalas, onde negros de diversas culturas conviviam lado a lado, favorecendo o sincretismo entre as próprias religiões africanas trazidas para cá. Depois, por ser o catolicismo a religião oficial durante o período colonial e imperial (1500 a 1889), as manifestações exteriores das demais religiões, inclusive as práticas mais primitivas dos negros, foram comprimidas pela Igreja. Este fato veio a possibilitar aos negros a manutenção dos cultos e rituais que, por um mecanismo de defesa, avivaram cada vez mais, em extensão e profundidade, o sincretismo de suas crenças com as da Igreja, mascarando seus deuses com os nomes de santos católicos. Com tal subterfúgio respeitavam a lei, a Igreja, e continuavam cultuando seus deuses africanos. Este processo de identificação entre os orixás (divindades) e os santos católicos foi facilitado objetivamente por semelhanças de "especialização", semelhan- ças "profissionais" entre eles. Tais como Xangô sincretizado com São Jerônimo, Iansã com Santa Bárbara, Ogum com São Jorge e assim por diante.
Entre os sudaneses se cultuavam os orixás (entidades sobrenaturais, intermediários entre os homens e Olorun, o deus maior e superior a todos), já entre os bantos do Sul se veneram os espíritos ancestrais, de pessoas humanas que viveram efetivamente.
Em Benguela, Angola, sabe-se que existia o culto "orodere", semelhante ao chamado "espiritismo", por isso também foi fácil aos negros de origem banto amoldarem-se às práticas espíritas que se desenvolveram no Brasil. Dessa diferença entre os cultos sudaneses e bantos derivou uma diferença nas religiões afro-brasileiras. De um lado temos o Xangô em Pernambuco, o Candomblé na Bahia e o Batuque no Rio grande do Sul, todos eles com origem sudanesa, estas diversas designações são apenas rótulos regionais para um mesmo conteúdo.
De outro lado, por parte das culturas bantas a mercê de um grande sincretismo, nasceram todas as casas chamadas de "umbanda", criando no Brasil uma nova religião, nas quais são cultuados, além de orixás, espíritos ancestrais, os "espíritos-guias", assim denominados por influência espírita.No Brasil as misturas se acentuaram juntou-se também, as tradições e as crenças dos nativos americanos, este sincretismo das religiões negras com elementos das culturas indígenas deu origem a um novo tipo de culto: o "candomblé de caboclo", onde são cultuados os orixás africanos juntamente com os deuses indígenas.
Nos cultos sudaneses são usados línguas africanas, principalmente o nagô e o gêge. Já nas casas de umbanda e caboclo, domina o português, misturado a palavras africanas e expressões em tupi.



A Influência negra no Rio Grande do SulO negro aparece no Rio Grande do Sul em 1725, com a frota de João Magalhães, vinda por terra. Estes negros, certamente escravos, realizavam o serviço pesado. Porém oficialmente a presença negra, no território gaúcho, data de 1737, quando o Brigadeiro José da Silva Paes se estabelece na Barra erigindo o Presídio Jesus, Maria e José, marco inicial da nossa colonização. Durante muitos anos esta região, distante e hostil, denominada Continente, foi usada como ameaça contra os escravos rebeldes ou preguiçosos do centro do Brasil, sendo estes enviados para este local, considerado por eles como pior que o inferno, um autêntico degredo na solidão verde do pampa.
Assim deu-se o inicio da colonização negra no Rio Grande do Sul, estendendo para o Prata clandestinamente. O negro marcou sua presença, indelevelmente, na História, na Geografia, no folclore, no linguajar, nas artes, no esporte e na política.Na historia, há uma notável participação dos negros durante a Guerra dos Farrapos e na Guerra do Paraguai, nesta ultima lutaram substituindo o sinhozinho branco e que, após a vitória, se recusaram a voltar para o Rio Grande.
Na Geografia são muitos os topônimos de origem negra no mapa gaúcho, inclusive alguns com o nome de quilombos.No folclore, algumas lendas falam de escravos entre nós: As Torres Malditas, Cambai, Santa Josefa e o Negrinho do Pastoreio.No linguajar, são correntes termos como: caiambola, cacimba, mondongo, mocotó.Nas artes são inúmeras as influências de elementos negros, como o maior tambor brasileiro atualmente, o "sopapo". Artistas negros marcaram a cultura brasileira como Lupicínio Rodrigues, e o ator Breno Mello, o inesquecível Orfeu Negro do cinema.No esporte bastaria a simples menção ao nome do tricampeão Everaldo e, antes dele, o grande Tesourinha, entre muitos outros mais recentes.Na política, o grande nome é do Deputado Carlos Santos, de notável atuação parlamentar durante um quarto de século.Na culinária gaúcha brasileira, três pratos têm etiologia negra: o mocotó, a feijoada e o quibebe.
Mas é na religiosidade popular que se encontra a cultura negra mais decisivamente. Desde o século passado, nota-se a existência de cultos negros em Porto Alegre com terreiros de batuque, que se proliferaram e hoje somam mais de 50.000 casas de Batuque em todo o Estado.
Essência e Estrutura do Batuque Originalmente os negros, de maneira geral, acreditavam em uma divindade única, superior a todos os outros seres sobrenaturais, seus subordinados. A esse deus superior, usando a expressão nagô, chamavam Olorum, divindade cultuada como senhor de todas as coisas, o princípio de tudo, o Deus criador do mundo e dos Orixás, estes seus intermediários em relação aos homens: são os orixás, que atendem cada um a funções especificadas.
Olorum - ás vezes chamado de Olodumaré, Olerum ou Lorum, não tem representação objetiva e não participa diretamente das Obrigações Religiosas, o não possui filhos na Terra, por isso não se manifesta através da ocupação, não têm culto específico, não exige oferendas específicas está acima destas necessidades. Esta características específicas de Olorum beneficia a valorização dos orixás, também chamados "santos" por influência do catolicismo.
Os afro-brasileiros vivem um processo de politeização. Se juntarmos a politeização a tendência para representar suas divindades sob formas humanas, mais a utilização de fetiches, chegaremos a um fetichismo politeísta antropomórfico como atual estágio.
Obrigações 1. Quinzenas:
As quinzenas são obrigações menores que duram normalmente dois ou três dias - a matança e o toque (Batuque) - é freqüentado por um número não muito grande de pessoas e geralmente estão associadas a alguma data comemorativa ou a obrigação de bori de filhos-de-santo do Ilê. Há o toque dos erís dos Orixás, as comidas-de-santo são ofertadas aos orixás e as tradicionais comidas servidas ao povo: canja, canjica branca e amarela, amalá. Por ser uma obrigação menor, exige um mínimo de aves a serem sacrificadas, cujo axorô e inhélas são ofertadas aos orixás. A carne das aves é consumida nos intervalos do toque do tambor, servida enfarofada ou na canja, comidas tradicionalmente ofertadas as pessoas que comparecem ao ebó. Há ainda as "quinzenas secas", quando não há sacrifício de animais. Os alimentos servidos ao povo são basicamente doces.Sendo as quinzenas obrigações menores, constituem em excelente oportunidade para a aprendizagem dos fundamentos do Batuque, dos Erís e da organização do Ebó.
2. Os Orixás Vão Para a Guerra:
realizada no período na semana santa, não ligada ao catolicismo, mas um período em que o mundo entra em luto pela crença católica. Por estar em luto a humanidade fica fragilizada e desprotegida, então se faz nos terreiros a obrigação de mandar os santos para guerra, Arriam-se novas oferendas, além de doces e flores em sinal de agradecimento e alegria pela volta dos Orixás, e pelo término do período de luto.Geralmente acontece na quinta-feira santa á noite, os orixás que costumeiramente chegam, manifestam-se em seus filhos-de-cabeça, perto da porta da entrada do Ilê e com uma expressão mais pesada, com feições mais sérias, como se estivessem tristes. Recebem no Quarto-de-Santo um saquinho de tecido contendo grãos que simbolizam o axé e o alimento que serão necessários na guerra. Levam também todos os axés que estiverem arriados no Quarto-de-Santo, este permanecendo vazio até o sábado de aleluia em sinal de luto.No sábado de aleluia, entorno dás 10:00 horas da manhã, abre-se o Quarto-de-Santo, o tamboreiro toca os Erís e os Orixás que foram para a guerra manisfestam-se novamente, simbolizando a chegada da guerra. São recepcionados com muita alegria, pois o período de guerra e de luto foi superado. Arriam-se novas oferendas, alem de doces e flores em sinal de agradecimento e alegria pela volta dos Orixás, e pelo término do período de luto.
3. A Entrega do Ano:
Na concepção batuqueira, cada ano é regido por um orixá que é acompanhado por outros orixás. A determinação de qual orixá irá reger o ano é dada através do Jogo de Búzios. Esta limpeza é diferente das demais limpezas feitas durante o ano, pois é realizada com o axé de todos os orixás, mais 07 varas de marmelo. (que pertencem a Ogum, para cortar as demandas), a vassoura de Xapanã (de palha ou com 07 cores de tecido, para varrer as mazelas e feitiçarias) e com 01 ave do orixá que está entregando o ano. É feita à marcação dos que fizeram a limpeza e segurança amarrando-se ao pulso ou tornozelo um molho de linhas com as cores de todos os orixás, o que significa que o indivíduo está puro e seguro para enfrentar o ano que vai vir. Esta Limpeza é feita também nas pessoas comuns que freqüentam o Ilê.Depois da Limpeza é feito o océ nos Orixás, limpeza das ferramentas, dos ocutás e de tudo o que pertencem aos Orixás. E finalmente é realizado o toque em homenagem aos Orixás que estão entregando o ano e aos orixás que irão reger o próximo. A água contida nas quartinhas dos Orixás são despachadas e trocadas por uma nova água, o que simboliza a renovação do axé. É uma obrigação com caráter festivo, porém não deixa de ter seu caráter religioso.
O Batuque Grande A seguir serão descritas as etapas que compõe um ebó, ou seja, o Batuque Grande. Esta obrigação acontece pelo menos uma vez ao ano em cada Ilê e tem duração média de 10 a 16 dias, podendo estender-se até em 32 dias ou mais, conforme a organização, a necessidade e a disponibilidade de cada Ilê. É quando se dá o aprontamento dos filhos-de-santo, são entregues os axés de Obés e Ifá, é dado o axé de fala aos Orixás e quando comemora-se o aniversário de assentamento dos Orixás de cabeça daqueles que se aprontaram nos ano anteriores.
No Ilê Oxum Docô, por ser um Ilê com grande número de filhos e adeptos, realizamos dois grandes ebós durante o ano: em Abril, quando é comemorado o Aniversário de Viviane de Iansã e em Maio em homenagem ao aniversário de assentamento de Oxum Docô, de Pedro da Oxum. Nestas obrigações os demais filhos prontos também homenageiam seus orixás, e são realizados Boris e aprontes.
As etapas de um ebó podem variar de casa para casa, porém iremos descrever como acontece no Ilê Oxum Docô, pois foi assim que o Babalorixá Pedro de Oxum Docô aprendeu de seu Babá e é assim que transmite aos seus filhos-de-santo, com a intenção de perpetuar os fundamentos e ensinamentos da Nação Gêge-Ijexá ao qual pertencem.

01. Serão ou Corte aos OrixásA Religião Africanista é em seus fundamentos voltada para o passado, mantém até hoje ensinamentos e preceitos, desde o tempo mais remoto, do negro na África e chegou até nós através dos escravos. Sobreviveu a todos os períodos de opressão e perseguição. Daí a enorme importância da obrigação de corte aos Orixás, pois é a preservação da cultura que ao mesmo tempo em que ofertava certos sacrifícios aos Orixás alimentava seu povo com a carne do sagrado. Depois adiantando na linha do tempo, entramos nas casas comuns e nos terreiros em que os animais andavam soltos no pátio e serviam para a subsistência familiar, ainda não existia as facilidades que hoje são disponíveis nos supermercados. Nos Ilês Balança Vão ao Quarto-de-santo, depois até a porta da rua para cumprimentar os orixás da rua e depois dançam ao som do Alujá de Xangô e do Alujá de Iansã, erís dançados unicamente pelos orixás de frente. Há a crença de que a balança não pode ser aberta, isto é, as pessoas devem permanecer de mãos dadas até que se inicie o alujá, caso a balança arrebente algo de grave pode acontecer a um dos participantes da balança, podendo até ser a morte. Mas caso haja alguma ameaça de arrebentar a Balança Axé dos Presentes enquanto são saudados pelos presentes. Depois os bolos são servidos aos convidados e o excedente é distribuído juntamente com os mercados. São de costume também, os convidados ofertarem presentes ao Orixá do Babalorixá ou Yalorixá por ocasião de seu aniversário de aprontamento. Os presentes mais comuns são: flores, perfumes, doces, utensílios que podem ser usados no dia-a-dia do Ilê, etc. É neste momento o Babalorixá ou o próprio Orixá apresenta á todos os presentes recebidos. Levantação , limpá-las e guardá-las nas prateleiras dentro do Quarto-de-santo. Mantendo um costume desde o tempo dos escravos Passeio Saindo do Ilê vão até o centro da cidade visitar lugares de grande significado para a comunidade. O serão ocorre geralmente na quinta-feira á noite, começa entorno dás 20:00 horas e estende-se muitas vezes até a madrugada, das obrigações de bori e de apronte que serão feitas.
No serão são imolados animais quadrúpedes (aos quais chamamos vulgarmente de quatro-pés) e de aves. As oferendas feitas aos Orixás são de origem animal assim como vegetal (folhas, plantas, grãos) e mineral: os ocutás, a água, etc. Os animais são ofertados os Orixás com o intuito de fortalecer o axé do Orixá assim como a mente e espírito do filho-de-santo através do axorô (sangue do animal) e das inhélas, certas partes dos animais que serão fritas e arriadas no Quarto-de-santo (cabeça, pés, testículo no caso dos quatro-pés e cabeça, pés, pontas das asas, do pescoço e da sambiqueira, pulmões e testículos das aves).A carne dos animais imolados serão preparados em forma de canja, de amalá, assados, enfarinhados e consumido pelo povo durante o período de obrigação e pelas pessoas que comparecerem ao toque, Batuque. Os couros retirados dos animais, depois de preparados são utilizados na confecção dos tambores, instrumentos tocados durante o Batuque. Nada é desperdiçado, por exemplo, no Ilê Oxum Docô é grande o número de animais imolados, devido ao grande número de filhos que o Ilê tem, quando não é consumida a totalidade de carne e de comida preparada, o restante é doada a entidades carentes nas proximidades do Ilê.
02. Preparação do ToqueNo dia posterior ao corte, permanecem alguns filhos-de-santo no Ilê para preparem em todos os detalhes o toque que irá acontecer no sábado. As principais atividades acontecem na cozinha, considerada a parte mais importante do Ilê, depois do Quarto-de-santo. É necessário que um filho-de-santo, mais experiente e de extrema confiança do Babalorixá auxilie na organização de tudo que deve ser feito, pois os afazeres são muitos e o tempo escasso. Além de todas as comidas-de-santo, devem ser feitas comidas tradicionalmente sagradas e significativas que serão servidas ás visitas que são esperadas mais tarde no toque.
Com as aves preparam-se: canja, galinha assada, galinha enfarofada. Com a carne do carneiro faz-se o amalá, comida consagrada ao Orixá Xangô: A carne cozida e desfiada é agregada ao molho com folhas de mostarda picada, servido com pirão de farinha de mandioca. Os cabritos e porcos são assados e servidos em pedaços. Faz-se também canjica de milho branca e amarela, além de uma grande variedade de doces como: sagu, pudim, ambrosia, quindim, docinhos, etc... Para beber serve-se o atã, bebida típica do Orixá Ogum, feita com frutas minusculamente cortadas, misturadas com guaraná e xarope de groselha.Os miúdos dos quatro-pés é cozido e picado de forma bem miúda para se fazer o sarrabulho, uma espécie de farofa temperada com cheiro verde, cebola e os miúdos picados. As filhas de Iansã, ajudadas por outros irmãos fazem o acarajé, comida consagrada ao seu Orixá de cabeça. Havendo disponibilidade faz-se ainda os bolos que serão ofertados pela ocasião do aniversário de assentamento dos Orixás.A preparação do toque segue com a arrumação do Quarto-de-santo que deve ter: flores, perfumes, as comidas-de-santo, atã, pelo menos uma porção de cada comida que está sendo feita para o povo, frutas, balas enroladas em papéis coloridos, os bolos de aniversário. Além das inhélas e das vasilhas contendo as obrigações e de outros fetiches religiosos. Há ainda a arrumação do salão, onde acontece o toque, e das demais dependências do Ilê que depois da limpeza são organizadas para melhor receber os convidados, Babalorixás e Yalorixás que juntamente com seus filhos-de-santo vêm prestigiar a obrigação.

03. O MercadoTambém faz parte da preparação para o toque a confecção dos mercados que serão distribuídos no final do Batuque.O significado e a explicação desta denominação perdeu-se nos tempos, porém seu significado religioso continua forte.Os mercados são pacotes onde se colocam as comidas-de-santo para serem ofertados ás visitas simbolizando a distribuição e a extensão do axé de prosperidade, fartura e fraternidade a todos os lares e Ilês.
O axé obrigatoriamente deve ser dividido entre os que compareceram ao toque, principalmente quando o ebó é de quatro-pés. Cada Ilê acondiciona o mercado da maneira que lhe convém: em bandejas, em pacotes, em caixas de papelão, etc, porém o que não muda muito é o conteúdo do mercado.
O mercado deve conter: pedaços de carne de cabrito assada, frutas, bolo, axoxô (milho cozido, pertence á Obá), pipoca (pertence á Bará), batata doce frita em rodelas ou acarajé (pertence á Iansã), doces - quindim, docinhos, balas (pertence á Oxum), farofa de Xapanã (farinha de mandioca pilada com amendoim e açúcar). No final do toque também são distribuídos, bolos, carnes, frutas.
O babalorixá, muitas vezes presenteia os Babalorixás e Yalorixás que estão de visita com flores do Quarto-de-Santo, para que sejam colocadas em seus Quarto-de-santo, como sinal de agradecimento pelo comparecimento no ebó. Caso ainda sobre alguma comida ou fruta, deve ser doado a pessoas carentes ou instituições de caridade.
04. O ToqueO toque geralmente inicia ás 23:00 horas, quando todos os filhos-de-santo devem estar presentes e devidamente trajados de seus axós, para auxiliar o Babalorixá ou Yalorixá a recepcionar os visitantes. O início do toque se dá com a chamada: todos em silêncio, ajoelham-se, enquanto o Babalorixá em frente ao Quarto-de-santo, tocando o adjá (espécie de sineta) saúda a todos os Orixás, de Bará a Oxalá, fazendo pedidos de abertura, de paz, saúde e prosperidade a todos os presentes. Os filhos-de-santo respondem com a saudação específica de cada Orixá.
Os alabês (tamboreiros), "puxam" os erís, isto é tocam os tambores enquanto entoam os erís, para que os presentes respondam, e a roda se forma no centro do salão, movimentando-se no sentido anti-horário. Os erís têm coreografias adequadas a cada orixá ou a cada "passagem", (relação da reza com alguma história daquele orixá), por exemplo: nos erís do Orixá Ogum ora dança-se simulando com as mãos o trabalho do ferreiro na forja, ora dança-se simulando a utilização de uma lança, relacionando com Ogum guerreiro.
Todos podem fazer parte da roda, adultos, crianças, iniciados e prontos, porém alguns detalhes devem ser observados. Participam da roda pessoas que estejam de axó (calça comprida para os homens, e no mínimo saia para as mulheres, desde que não seja curta), mulheres em período menstrual não participam do Batuque, mas podem auxiliar na manutenção, na limpeza e na recepção dos convidados. As pessoas que estiverem de luto também não podem participar do ebó, ficando somente na assistência.
Os Orixás que "chegam" usam o centro da roda para dançarem e darem os seus axés, com exceção dos orixás "velhos" que são encaminhados a sentarem-se nos banquinhos a eles destinados. Os erís seguem a hierarquia dos Orixás, sendo de responsabilidade do alabê a exatidão dos erís assim como a ordem dos acontecimentos no decorrer do toque.
Acompanhe a seqüência de tais acontecimentos, segundo a Nação Gêge-Ijexá:
04. O Toque4.1. Balança ou Roda-de-Prontos: Chama-se balança ou cassum em homenagem a Xangô e também por conter o axé de todos os orixás em equilíbrio. Há um intervalo na movimentação da roda e os presentes, inclusive os orixás afastam-se do centro do salão, deixando espaço para a roda da balança.
Só há balança quando há ebó de quatro-pés, que é constituída exclusivamente por pessoas prontas na religião, que já tenham feito ao menos bori de quatro-pés, no mínimo 06 pessoas (conta de Xangô) podendo ser em número múltiplo de 06: 12, 18, 24, 32. Caso o número de prontos seja excedente, por ser feito mais de uma balança, aí então costuma-se fazer uma balança com pessoas de orixá de frente e uma balança com o povo de praia. Os participantes colocados lado a lado, formando uma roda de mãos dadas, dançam ao ritmo do tambor que vai gradualmente aumentando de intensidade. É quando ocorre o maior número de ocupações ao mesmo tempo, sendo somente de orixás jovens (Oxum, Iemanjá e Oxalá velhos só podem chegar depois do início dos erís de Oxum). Ao terminar a balança os Orixás cumprem o fundamento: Vão ao Quarto-de-santo, depois até a porta da rua para cumprimentar os orixás da rua e depois dançam ao som do Alujá de Xangô e do Alujá de Iansã, erís destinados unicamente pelos orixás de frente. Há a crença de que a balança não pode ser aberta, isto é, as pessoas devem permanecer de mãos dadas até que se inicie o alujá, caso a balança arrebente algo de grave pode acontecer por dos participantes da balança, podendo até ser a morte. Mas caso haja alguma ameaça de arrebentar a Balança, cabe ao alabê, mudar imediatamente o axé indo direto para a execução do Alujá de Xangô (Baixe o som em mp3). Por causa desta crença, muitas pessoas esquivam-se de participar da Balança, porém é uma obrigação muito forte onde se confirma que o ebó que está sendo realizado é de quatro-pés, o axé que emana no salão durante a balança é algo muito forte, sentido por todos os presentes.
04. O Toque4.2 Alujá de Xangô e Alujá de IansãLogo após a Balança os Orixás que estão no "mundo" dançam o Alujá do Xangô e o Alujá de Iansã, respectivamente, ritmos do tambor, característicos destes Orixás. Os orixás jovens dançam em frente ao "pagodô" local mais elevado (espécie de palco) onde ficam os alabês. Durante o alujá é contagiante o axé e a empolgação com que os orixás dançam, proporcionando um momento de rara beleza.
4.3 A Saída do EcóTerminado os Erís de Obá é hora da Saída do Ecó, que nada mais é do que o despacho do axé de Bará, e do ecó de Bará Lanã e do Bará Lodê (alguidar com água, farinha de mandioca e gotas de epô - azeite de dendê) e do ecó de Oxum (Vasilha de vidro com farinha de milho, água, mel e perfume e flores).
A saída do ecó simboliza a saída de toda a negatividade que existe no ambiente e nas pessoas presentes prepara o ambiente para os erís dos Orixás de praia, que tem um toque mais brando. Enquanto sai o ecó, os alabês continuam puxando os erís, só que agora puxam os erís dos orixás da rua - Bará Lodê, Ogum Avagã e Iansã Timboá - não há movimento da roda e a assistência evita olhar para o que está acontecendo, virando para a parede. Diz a crença que quem olhar a saída do ecó atrai para si a negatividade ali contida.
04. O Toque4.4 Roda de Ibedji No Batuque de Quatro-pés há a roda de Ibedjis, no Gêge-Ijexá ela acontece durante os erís de Oxum. É o momento em que as crianças participam da obrigação e as mulheres que pretendem a maternidade ou que estão grávidas fazem os seus pedidos e agradecimentos. Os orixás, principalmente Oxum e Xangô, distribuem aos que estão na roda e na assistência, as frutas, os doces - quindins, merengues, cocadas, bolos - que estão no Quarto-de-santo.
4.5 Axé dos PerfumesSendo Oxum a deusa da beleza adora perfumes, espelhos, em seus erís há um momento especial em as Oxuns que estão no mundo recebem vidros de perfumes, leques e espelhos. Dançam felizes, empunhando seus leques e espelhos enquanto outras se banham com perfume e distribuem um axé perfumado as pessoas que estão na roda e na assistência. Este axé faz uma referência sobre a "passagem" em que Oxum está no rio banhando-se, num ritual de beleza e encantamento.

04. O Toque4.6 Axés dos PresentesGeralmente acontece quase no final do Batuque, os orixás que estão aniversariando "apresentam" seus bolos, tantos os orixás quanto os filhos-de-santo que não se ocupam, mostram a todos o seu bolo com a vela acesa (correspondente aos anos de assentamento do orixá), enquanto são saudados pelos presentes. Depois os bolo são servidos aos convidados e o excedente é distribuído juntamente com os mercados.São de costume também, os convidados ofertarem presentes ao Orixá do Babalorixá ou Yalorixá por ocasião de seu aniversário de aprontamento. Os presentes mais comuns são: flores, perfumes, doces, utensílios que podem ser usados no dia-a-dia Ilê, etc. É neste momento que o Babalorixá ou o próprio Orixá apresenta á todos o presente recebido.
4.7 O Axé do Alá de Oxalá Pertence aos erís do Oxalá o axé do Alá. Em determinado momento, os filhos-de-santo com estatura mais elevada suspendem ao alto um grande Alá branco. Enquanto a roda e os erís continuam, todos passam por baixo do Alá pedindo ao orixá do branco a paz e a proteção.

04. O Toque4.8 O Aforiba ou a Dança do AtãO aforiba é o momento em que Ogum e Iansã demonstram a passagem em que Iansã embebeda Ogum para fugir com Xangô. O Babalorixá convida um Ogum e uma Iansã para fazerem o Aforiba, então ela coloca no centro do salão duas garrafas contendo atã (aforiba) e as armas pertencentes a estes orixás (espadas). Iansã toma as garrafas e oferece á Ogum que logo se embebeda, mas em seguida Ogum volta a si e vai atrás de Iansã empunhando sua espada. Os dois lutam, mas Iansã consegue acalmar Ogum e os dois reconciliam-se e voltam a dançar juntos. Tendo um Xangô no mundo poderá vir ele fazer parte do Aforiba. Xangô vem em defesa de Iansã e com seu machado de dois gumes entra na luta com Ogum. Aí então, Iansã acalma os dois Orixás. 4.9 Os Axêres
Conforme o Batuque vai acontecendo, os orixás chegam (ocupam-se da consciência e do corpo de seus filhos) e fazem o fundamento da religião, conforme o ensinamento do Babalorixá e da Yalorixá. Feita a obrigação os Orixás "sobem", vão embora. Os orixás são despachados, geralmente por filhos-de-santo mais antigos e experientes do Ilê, porém eles ficam em "axêre" ou "axêro" (No Candomblé são chamados de Erês), estado intermediário entre a ocupação do orixá e da pessoa propriamente dita. Os axêres agem como crianças, tomam refrigerante e adoram fazer brincadeiras com as pessoas, pois seu linguajar é confuso, trocam as expressões como, por exemplo: "tigue" (tigre) quer dizer carro, "confeitaria" quer dizer bolo, "pouco" quer dizer muito, "feinho" quer dizer bonito, e assim por diante. È um momento de descontração, porém deve ser mantido o respeito, pois apesar de fazerem brincadeiras, os axêres ainda conservam a essência do orixá.
04. O Toque4.10 A Levantação da ObrigaçãoTerminada o período em que a obrigação deve ficar arriada, há a levantação, termo que se refere ao ato de levantar as vasilhas contendo as obrigações de corte que estavam arriadas, limpa-las e guarda-las nas prateleiras dentro do Quarto-de-santo. Mantendo um costume desde o tempo dos escravos, as obrigações são guardadas no Quarto-de-santo e ocultas por cortinas que geralmente tem á sua frente imagens católicas que se referem ao sincretismo religioso, assim como velas, castiçais, comidas de santo, flores e outros objetos sagrados pertencentes aos Orixás.
05. O PeixeA obrigação do peixe é feita pela manhã bem cedinho, e só ocorre em festas grandes, com quatro-pés. Alguém encarregado deve ir ao rio ou ao mercado público e trazer peixes ainda vivos para serem imolados aos Orixás, de Bará á Oxalá, por isso não pode ser uma quantidade muito pequena. Os orixás de frente recebem pintado como obrigação e os Orixás de praia recebem jundiá. No Quarto-de-santo são imolados ao menos um peixe para cada orixá e a ele é destinado: a cabeça, as barbatanas, a cauda e um pouco de axorô (sangue). A carne dos peixes imolados é servida com pirão (ebó) no almoço e deve ser consumida pelos presos (filhos que estão de Obrigação) e pelos que estão na casa, pois o ebó de peixe simboliza fartura e prosperidade.
Uma quantidade maior de peixes é preparada frita para ser servida ao povo que comparecer ao batuque de encerramento ou no Toque do Peixe - toque realizado na noite do corte do peixe, porém com duração mais curta quando serão consumidos o ebó do peixe e peixes fritos, além das comidas dos orixás.
05. Mesa de BenjiA obrigação da Mesa de Ibedji é feita no Batuque de Encerramento e nas ocasiões em que o Babalorixá ou Yalorixá acharem necessárias. É realizada no início da noite e antecede o Batuque de Encerramento. Dela participam crianças de zero á doze anos, além de mulheres grávidas, ou que queiram engravidar. São "tirados" erís de Bará, de Xangô e Oxum (que representam os Ibedji) e dos orixás velhos. A Mesa de Ibedji é riquíssima de detalhes e constitui uma obrigação religiosa com muito axé e beleza. Significa agradar e reverenciar aos orixás das crianças que simbolizam pureza, paz e prosperidade.
Uma grande toalha branca é colocada ao chão e nela colocam-se 01 gamela de frutas, 01 gamela contendo amalá, flores, 01 quartinha, brinquedinhos, bolo, doces e refrigerantes. As crianças participam em grupos de 06, 12...(números múltiplos de 06, a "conta" de Xangô), sentam-se ao redor da toalha, as menores acompanhadas por um adulto. Servem-se para as crianças: primeiramente canja de galinha, depois os doces e refrigerante. Após terem comido o que foi servido, são dados ás crianças uma colher de mel e um gole de água. Depois são lavadas e enxugadas as mãos das crianças. Terminadas estas etapas as crianças são levantadas da mesa por pessoas adultas ou por orixás que tenham "chegado" na mesa e conduzidos a formarem uma roda ao som de erís de Xangô. São feitas quantas mesas forem necessárias para que todas as crianças presentes participem da Obrigação.
Encerrada a Mesa de Ibedji, os Orixás que chegaram durante e a Mesa de Ibedji, recolhem os itens que ainda restam na mesa e levam até o Quarto-de-santo. Os brinquedos são distribuídos entre as crianças que participaram da Mesa.
07. Toque de EncerramentoÉ o toque que encerra as atividades públicas do Batuque Grande. Tem uma proporção um pouco menor do que o primeiro toque, pois é antecedido pelo corte do peixe e do corte de confirmação, quando são imoladas somente aves aos orixás.A cor dos axós é preferencialmente o branco e pode acontecer a Mesa de Ibedji antes do início do toque. É nesta noite que serão dados os axés de Obés e Ifá. Entre os alimentos servidos aos convidados prevalecem os doces, além da canja, da canjica e do amalá (este feito com carne de peito de gado). Seguido do toque, no dia posterior há a levantação da obrigação do corte de confirmação.
08. O Passeio
O término da obrigação para os filhos-de-santo que estão presos por motivo de seu aprontamento ou por obrigação de Bori é o Passeio no dia posterior á Levantação, pela manhã, antes, porém o Babalorixá ou Yalorixá leva os presos até a porta da frente do Ilê e apresenta-os à rua (aos Orixás da Rua), liberando-os para saírem fora dos limites do Ilê.
É comum no centro de Porto Alegre reconhecermos um grupo de presos passeando juntamente com seu Babalorixá ou Yalorixá . Saindo do Ilê vão até o centro visitar lugares de grande significado para a comunidade batuqueira: A Igreja do Rosário construída com o trabalho do negro escravo ( antiga irmandade de negros) , o Mercado Público - lá compram cereais, grãos, e velas -, o Rio Guaíba ( que banha a cidade) - lá reverenciam Oxum e jogam moedas ao rio pedido prosperidade e fartura. Em seguida, vão visitar algum Ilê conhecido onde "batem cabeça" cumprimentando os Orixás do Ilê e lá depositam parte das compras feitas no mercado. De volta ao Ilê, batem cabeça no Quarto-de-santo e arriam o restante das compras feitas. Cumprimentam o Babalorixá ou Yalorixá na nova condição de Filho-de-santo pronto, ou borido (conforme a obrigação realizada).
Nação CabindaPor Eduardo Cezimbra -fevereiro/2004
A nação Cabinda, originária de Angola, adotou o panteão dos Orixás Iorubas, embora estas divindades Bantus teriam como nome correto Inkince.
Os Inkinces são para os Bantus o mesmo que os Orixás para os Yorubás, e o mesmo que Vodum para os Jêjes. Não se trata da mesma divindade, cada Inkince, Orixá ou Vodum possui identidade própria e culturas totalmente distintas. A linguagem ritual originou-se predominantemente das línguas Kimbundo e Kikongo; são línguas muito parecidas e ainda utilizadas atualmente. O Kimbundo é o segundo idioma nacional em Angola. O Kikongo, provém do Congo, sendo também falado em Angola.
Aqui no Rio Grande do Sul a raiz forte da Cabinda foi o Sr. Valdemar Antonio dos Santos, filho do Orixá Xangô Kamucá Baruálofina; sua primeira filha de santo foi a Sra. Madalena de Oxum.
Outros que se iniciaram pelas mãos de Valdemar de Xangô, e com sua morte passaram para as mãos de Mãe Madalena de Oxum foram: Pai Tati de Bará, Mãe Palmira de Oxum, Ramão de Ogum, Pai Mario de Ogum e Pai Nascimento de Sapata. Depois foram surgindo outros ícones da nação Cabinda, onde podemos citar Pai Romário de Oxalá, filho de santo de Mãe Madalena de Oxum; Mãe Olê de Xangô, mulher de Pai Tati de Bará; Pai Henrique de Oxum, enteado e filho de santo de Mãe Palmira de Oxum; Pai Adão de Bará, filho de santo de Pai Romário; Pai Cleon de Oxalá; Antonio Carlos de Xangô, alabê, teve sua iniciação pelas mãos de Pai Tati de Bará, Mãe Marlene de Oxum, filha de santo de Pai Romário; Hélio de Xangô, iniciado por Pai Adão de Bará; Pai Gabriel de Oxum, que foi um grande Babalorixá da Nação Cabinda, filho de santo de Romário de Oxalá; Enio de Oxum, também da casa de Pai Romário; Luiz vó da Oxum Docô, iniciado por Romário de Oxalá; Ydy de Oxum, iniciado por Henrique de Oxum, entre muitos outros que conservam, ainda, os fundamentos desta Nação tão importante nos rituais Africanos do Sul.
Os praticantes da Nação Cabinda também se valem dos rituais da Nação Ijexá, já que esta última é atualmente a modalidade ritual predominante aqui no Rio Grande do Sul; a diferença se dá basicamente no respeito à memória de seus ancestrais e a outros fatores como o início dos fundamentos da Nação Cabinda, que é justamente onde termina os das outras Nações: o cemitério.
O Orixá Xangô é considerado Rei desta nação, e é o dono dos Eguns, juntamente com Oyá e Xapanã; E o culto aos Eguns é tão forte que na maioria dos terreiros desta nação, se encontra o assentamento de Balé (culto aos Eguns); Os filhos de Oxum, Yemanja e Oxalá, podem entrar e sair de cemitérios quando necessário for, sem nenhum prejuízo a sua feitura, já nas outras nações estes só entram no cemitério em extrema necessidade; Se estiver acontecendo uma festa num terreiro de Cabinda, e se o Orixá Xangô, tendo recebido oferendas de quatro pés, e vier a falecer algum membro da casa ou da família religiosa, não ficará a obrigação prejudicada, conforme acontece nos outros terreiros, nos quais teriam que interromper toda a obrigação.
Os orixás cultuados na Nação Cabinda são os mesmos da Nação Ijexá acrescentando Bará elegba, oyá dirã e oyá timboá; Na maioria das vezes as oferendas também são iguais com pouca diferença como por exemplo a obrigação do peixe que na Cabinda oferecem Pintado a determinados Orixás, que no Ijexá damos Jundiá.
Nação JêjePor Eduardo Cezimbra - fevereiro/2004
Quando se fala em Nação Jêje, aqui no sul do Brasil, logo se lembra do Pai de Santo mais famoso desta nação que foi o Pai Joãozinho de Bará (Exu Bý), que sem dúvidas foi a maior expressão desta nação, famoso no Brasil e em outros países como Uruguai e Argentina. Ele era filho de Santo de Mãe Chininha de Xangô Aganju, a mais antiga mãe de santo da nação Jêje que se tem notícias aqui no Rio Grande do Sul. A primeira filha de santo de pai João foi a Sra. Vandina de Oxum e depois dela vieram outros importantes adeptos do Jêje que se tornaram Babalorixás ou Yalorixás feitos pela mão de Pai Joãozinho de Bará como a Tia Nica de Bará, Alzira de Xangô, Dêde de Oxum, tio Cristóvão de Oxum, tia Conceição (irmã de Cristóvão de Oxum), Valdomiro de Bará Lodê, muito respeitado e temido por todos, foi um dos maiores feiticeiros de que se teve conhecimento no Rio Grande do Sul; Cotinha de Xangô, Valina da Oyá, irmã de Vandina de Oxum; Pai Pirica de Xangô, Jurema de Xangô, tamboreira, Evinha de Xangô, também uma das melhores tamboreiras do sul; tia Licinha da Oyá, vó Aurora do Ogum, vó de Pirica de xangô; tia Eva de Bará, João vó da Oxum Docô, falecido em outubro de 2003; Rosália de Odé, Landa de Bará, Rení da Iansã, filha de criação do Pai João; Pequeno de Bará Lodê, esposo de reni de Oyá; Tia Tereza de Oxalá, filha carnal de Alzira de Xangô; tia Jaci de Yemanja; Valdir de Xangô, Mesquita de Xangô, Nadir de Ogum, Zé de Xangô, tio de Valdir de Xangô; Nelson de Xangô, Pai de Santo de Vinicios de Oxalá; Zé da Saia de Xangô, Ziza de Odé, Julieta de Odé, Patinha de Bará, Marta de Bará, famosa por sua vidência, também praticava Umbanda, as mulheres grávidas faziam filas para saber qual era o sexo do filho, quando a pessoa entrava em seu portão ela já sabia o que foi fazer em sua casa; Leda de Xangô, também famosa por seus feitos na Umbanda e vidente das melhores, tenho muitos agradecimentos a esta grande mãe de Santo; Santa de Yemanja, Catarina de Ogum, Tião de Bará, Elaine de Oxum, Cleusa de Oyá, Elza de Oxalá, morava no Rio de Janeiro, para onde Joãozinho de Bará viajava freqüentemente. A Nação de Jêje puro já deixou de existir a muito tempo, a maioria das casas praticam junto a nação Ijexá, cujas rezas e rituais são utilizadas por todas as casas de batuque do Rio grande do Sul e para os países onde o ritual africano, do sul, foi levado como Uruguai e Argentina. Nas festas de ritual Jêje as rezas não são na linguagem Yorubá e sim na linguagem Fon, e a dança é feita de par, as pessoas dançam de par uma de frente para o outra e alternam os lugares conforme muda o rítimo dos tambores. Os tambores usados para os rituais são parecidos com os tambores da Nação Ijexá, embora sejam em tamanhos bem menores e sempre tem que ser em número de dois tambores, um toca com dois Aquidavís e o outro faz a marcação com um só aquidavis, que são os famosos "pausinhos", erradamente usam-se o termo "Jêje de pausinhos', que na verdade são os Aquidavís usados para tirar o som dos tambores de Jêje, o acompanhamento é feito por um instrumento chamado Gãn; no ritual onde se tira rezas de Jêje não usa-se agê nem agogô. Joãozinho de Bará e Tia Licinha, sua irmã, tocavam Jêje juntos, dizem que era um dos melhores rituais quando esses dois se juntavam.
Joãozinho do Bará doutrinava muito bem seus filhos de santo, ensinava os filhos a tirar as rezas dos Orixás e a tocar tambor; ele ensinava os filhos tocando na mesa com duas colheres e no outro dia já os colocava a tocar no tambor com os aquidavís, e com certeza logo aprendiam. Ele foi uma árvore que deu muitos frutos, eu diria que foi João de Bará no Jêje e Manoelzinho de Xapanã no Ijexá. Hoje há poucas casas que conseguem fazer o ritual Jêje, dá para citar a casa de pai Pirica e a do Tião do Bará, que também completam seus rituais com as rezas da nação Ijexá de linguagem Yorubá, mas são nestas duas casas que ainda se vê acontecer o ritual jêje-nagô à moda antiga. O que é chamado de nação Jêje é o ritual africano formado pelos povos fons vindo da região de Daomé, hoje Benin. Os povos Jêjes, chegados ao Brasil, em sua grande maioria se estabeleceram em São Luiz do Maranhão, onde ainda existe a Casa das Minas, Salvador e Cachoeira de São Félix (Bahia), Rio de Janeiro e para o Rio Grande do Sul sabe-se que vieram alguns descendentes do Daomé, inclusive um príncipe. O Daomé foi colônia de diversos países , e quando passou a ser propriedade da Grã-Bretanha, os Ingleses tiveram que entrar em acordo com os Reis e príncipes negros que governavam as terras. Um desses acordos resultou a vinda de um príncipe de São João Batista de Ajudá, que deixou sua terra na Costa da Mina; este escolheu o Brasil, inicialmente fixou-se em Rio Grande e, mais tarde foi para o interior de Bagé, onde ficou conhecido por manter viva a tradição religiosa Africana. De Bagé veio para Porto Alegre, adotou como nome Custódio Joaquim de Almeida, conhecido no meio religioso como Príncipe Cústódio. Seu ilê era freqüentado por figuras importantes da época, inclusive foi ele quem fez o assentamento de um Bará no mercado público de Porto Alegre, onde todos adeptos do culto africano fazem reverencia cada vez que terminam uma obrigação aos seus Orixás.
O BatuquePor Eduardo Cezimbra - agosto/2003
A religião Afro-Brasileira, estabelecida no Estado do Rio Grande do Sul, no tocante à história de suas origens, não guardou uma fonte segura de informações, e o pouco que se tem guardado vem de opiniões do boca a boca de geração para geração, e as incertezas nas colocações de como eram os rituais antigos ainda estão contidos nos descendentes, que hoje pouco revelam os segredos e as histórias, acontecimentos religiosos que se posto à público só enriqueceriam o nosso aprendizado, exatamente por este motivo muitos sacerdotes tem maneiras diferentes de cultuar seus Orixás, há regras que ainda se segue sem mudança alguma, como é o caso da Balança quando há festa de quatro pés, da Obrigação do Atã, na terminação da festa, do Ecó para levar embora as cargas negativas, e outras obrigações mudam com o passar dos anos como por exemplo a feitura de um filho de Santo. Na antiga casa de religião do saudoso Paulino de Oxalá a feitura de um filho de santo começava com uma lavação de cabeça com o omieró, em seguida um aribibó, e após este fazia-se um Bori e sentava-se o Bará para aquele filho; este Bará recebia obrigações de quatro pés durante sete anos e só depois é que ele aprontava o filho com o assentamento do restante das obrigações. Pai Paulino de Oxalá, nasceu na cidade de Pelotas, no Estado do Rio Grande do Sul, e foi pronto na religião por uma escrava que veio de navio para o porto de Rio Grande e ali se estabeleceu, sua origem era da Nigéria (África), provavelmente este grupo de escravos tenha passado por outros estados no Brasil, mas se estabeleceram, graças a Deus, aqui no Rio Grande do Sul. Há muitos que pensam que o nosso batuque é filho direto do Candomblé praticado na Bahia, porém, em visita a uma casa de origem Ketu, de um respeitado Babalorixá chamado Albino de Paula, descendente direto de raízes africanas, e de pai Ademir de Iansã, Tata de Inkinsi pronto há muitos anos na nação Angola constata-se que nosso ritual é muito distante do Candomblé, o que mais nos aproxima é a linguagem yoruba, que também é usado no candomblé de Ketu, mas, mesmo com as adaptações que foram feitas pelos afros-descendentes que se estabeleceram em cada estado brasileiro, para poderem continuar cultuando seus Orixás, a diferença nos rituais são imensas, fazendo com que nosso ritual seja quase que único, de uma especialidade inigualável. Temos que dar mais valor a nossa cultura, procurar saber mais de nossa história religiosa e divulgar o nosso culto, fazer respeitar as raízes afro do nosso Rio Grande do Sul, e manter esta árvore viva.
Tenho sido enfático no tocante a preservação dos nossos rituais Africanos por que se nota que o batuque puro, fiel às raízes, vem perdendo espaço para chamada linha cruzada, o fato é que se facilitar surgirá uma mistura que não se saberá o que se está cultuando, há de ter uma separação para preservação da "ciência" na prática dos rituais, Umbanda é Umbanda, Quimbanda é Quimbanda e Nação Africana é outro ritual, seria melhor cultuar um de cada vez. As casas de religião tem autonomia para decidir sobre seus afazeres no culto de seus rituais, sem que haja interferências, o Pai ou Mãe de Santo exerce sua autoridade, mas com jeitinho as coisas acabam mudando; muitas vezes se aproxima da casa, novos filhos que já cultuam a umbanda e ou os exus, e os sacerdotes, procuram aprender as práticas rituais da umbanda e dos exus; o que não se pode é deixar um ritual tomar conta de outro, como já se vê em certos lugares, o melhor é cultuar um de cada vez, e todos os rituais serão preservados.