quarta-feira, 26 de outubro de 2011

GRANDE grupo ou GRUPO grande?

Desafios e perspectivas da administração institucional em Capoeira


Por: Jean Pangolin



A capoeira tem apresentado, em sua conjuntura atual, diversas formas de organização, dentre estas, destacaremos neste trabalho uma analise sobre a estrutura dos grupos formais, considerando como ponto de partida os registros sob a forma de associações, cooperativas, federações, fundações e outras. Assim, nossa intenção será apresentar algumas reflexões sobre o impacto das contradições ideológicas do mundo moderno, bem como a crise de transição do informal para o formal no desenvolvimento desta arte pelo mundo.

Historia e (Des)organização Institucional

O inicio da formalização institucional da capoeira invariavelmente segue o período de maior transformação histórica de nossa arte, a década de trinta, período este que registramos a maior parte dos processos de sistematização e formalização. Assim, como em qualquer outra área, estas mudanças aconteceram recheadas do pensamento ideológico e conflitos da época, sendo assim, qualquer analise realizada precisara sempre considerar a conjuntura dos períodos e seus reflexos nos setores específicos estudados.
A década de trinta, toda sua formatação técnica militarista, seu forte apelo governamental cultural nacionalista e ainda a necessidade de sobrevivência da cultura afro-brasileira, construíram um cenário de misturas peculiar a este período, que consequentemente influenciaram diretamente na estruturação institucional em capoeira nas décadas posteriores.
O desenvolvimento da lógica da necessidade de uniformização de indumentária, da técnica, formatação de estilos, registros formais dos núcleos de capoeira e ainda uma serie de outros fatores derivados das modificações consolidadas a partir da estruturação, principalmente, da Angola e da Luta Regional Baiana, que por sua vez, também são fruto das necessidades daquele período, seus conflitos e contradições, representando, em minha opinião, os efeitos colaterais dos benefícios de institucionalização.

Estado, Sociedade e a Passagem do Informal para o Formal Institucional

Com o registro dos centros de Angola e Regional, a partir dos anos trinta, se percebeu que esta poderia se configurar em uma boa estratégia de sobrevivência cultural, pois os mesmos grupos e praticas antes discriminados, percebiam agora um possibilidade de existência sem a perseguição do passado, com possibilidades de negociação com o estado e ainda com reconhecimento social.
O grande problema da situação relatada acima, foi que junto aos fatores que pareciam positivos, surgiram demandas administrativas e burocráticas nunca antes vivenciadas pelos mestres, que cresciam em descompasso aos avanços educativos formais dos mesmos, ou seja, como uma faca amolada, que pode ser uma importante ferramenta para sobrevivência, mas quando não bem utilizada pode ferir quem a manipula.
Outro fator muito importante que precisa ser considerado, consiste no reconhecimento do registro como um mecanismo de mapeamento, arrecadação de tributos e controle do estado, pois uma pratica antes informal e que vivia exclusivamente de suas vivencias e experiências em comunidade, agora passava a ter um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), com todas as implicações legais de qualquer outra instituição, sem considerar a divida do mesmo estado para com a população afro-brasileira, que vinha de séculos e exploração e sem acesso a educação formal que os instrumentalizasse para as novas demandas institucionais.
A institucionalização da capoeira foi também uma alternativa de empregabilidade para os capoeiristas, pois os processos de registro e sistematização possibilitaram o acesso a escolas, clubes, universidades, condomínios, dentre outros, transformando a pratica marginal de antes em uma arte hibrida e com alto poder adaptativo em distintas realidades.
Vale ressaltar que a conjuntura mundial, impulsionada pelo processo Neoliberal, favoreceu em muito a proliferação institucional em capoeira, pois o estado criou uma serie de mecanismos para enxugar seus gastos e redirecionar responsabilidades sociais, criando um momento fértil para o registro de associações e afins, pelas inúmeras possibilidades de parcerias com estado, considerando a terceirização do seu papel social, haja vista o grande numero de projetos sociais em capoeira existentes hoje e os diversos editais públicos para os mais variados projetos.

A Necessidade de Ser e as Relações de Poder

O que estamos percebendo também na capoeira institucionalizada pelo mundo, tem sido uma busca desenfreada por notoriedade de alguns capoeiras e estes elegendo o rompimento com suas instituições e criação de novos grupos como possibilidade de ganhar espaço na comunidade, pois na política institucional da maior parte dos mega grupos, os seus membros se configuram como números ou peças da engrenagem de negocio. Assim, lamentavelmente, o numero de grupos tem crescido, mas a lógica administrativa tem se mantido, sendo a criação da nova instituição uma simples modificação de razão social (nome).
Os grupos de caciques (chefes e/ou patrões) tendem a criar miniaturas de caciques, como a teoria de Paulo Freire de que todo oprimido traz dentro de si sendo gestado o opressor e assim, principalmente por uma relação de conquista de poder, a grande maioria, que esta inserida nesta lógica, tem a tendência de romper com seus mestres/caciques para se tornar alguém importante e reconhecido, afirmando uma das maiores contradições da capoeira na atualidade, que tem consistido na negação daquilo que me oprime pela afirmação da opressão de outros.
A formatação dos grupos/empresas tem, na sua grande maioria, se organizado de uma maneira muito parecida, pois seguem os modelos das primeiras instituições do setor e estas seguem os moldes da aparência superficial de empresas de grande expressão comercial na expansão de suas filiais pelo mundo, contudo a falta de formação administrativa tem criado um abismo entre o verdadeiro funcionamento orgânico de exemplos como: Macdonald, Ford, dentre outras, e a real condição de acesso ao conhecimento dos administradores em capoeira, que em pouco espaço de tempo precisavam aprender a ler balancetes, pagar impostos, lidar com fornecedores, entender lógicas de mercado e etc.. Desta forma, os poucos que conseguiram adaptar-se as novas demandas, passaram a ditar as regras organizacionais em capoeira e a influenciar toda uma comunidade sem informação, por conta do processo histórico de exploração, com valores equivocados e que pouco a pouco foram comprometendo princípios norteadores da arte, como: Aprender-fazendo, circularidade, oralidade, valorização do mais antigo e outros, mas o mais grave disso tudo, me parece ser o fato da grande maioria dos praticantes pensarem que a única alternativa de gestão institucional em capoeira esta na possibilidade de organização conforme o modelo já consolidado, sem perceber que a manutenção deste só fortalece os grupos mais adaptados, preparados e com maior potencial de destruição da arte em favor do negocio cultural, pasteurizando o produto, embalando e rotulando para ser vendido em alguma esquina.
Os capoeiras não tem percebido como os rótulos de Angola e ou Regional, desprovidos do arcabouço filosófico dos mais antigos, tem se transformado em mais uma etiqueta de produto e que este, para ter a funcionabilidade necessária no mundo do capital, precisa pagar o preço de romper com alguns valores culturais ancestrais, que quando bem gestados, são os germes catalisadores da destruição do modo de produção vigente.
Um exemplo típico desta reflexão acima poderá ser percebido na relação dos antigos Mestres com os grupos Macdolnaldizados, pois o impacto dos mesmos em suas atividades, quando contratados para movimentar o negocio, vai alem de uma simples ginástica, considerando os conflitos despertados por sua forma de jogar, tocar, cantar e encantar, e estes têm despertado os mais críticos a refletirem sobre suas praticas, seus dirigentes e principalmente sobre as relações de poder que matem a empresa funcionando. Assim percebemos que a contradição de alimentar o produto a partir de referencias que não são seguidas ideologicamente, pode ate fortalecer o negocio, mas também poderá colocar em risco a manutenção dos mega-grupos, desde que os antigos Mestre compreendam sua função social e seu papel simbólico de guiar os mais jovens no desenvolvimento de uma capoeira mais justa, autônoma e democrática.

Alternativas para ser Bicho da Goiaba

A capoeira e o aprendizado com os mais antigos têm demonstrado que a nossa saída mais interessante para os conflitos sempre será a negociação constante e neste sentido, acreditamos que tão importante quanto o reconhecimento dos desafios e contradições é a movimentação para transformação da realidade e neste sentido nos propomos a trabalhar a partir da metáfora com o BICHO DA GOIABA, que come toda goiaba por dentro sem ser percebido, destruindo a estrutura que esta infinitamente maior do que ele, pelo simples fato de parecer inofensivo. Assim, acreditamos que a capoeira deve trabalhar como o Bicho, minando a Goiaba/sistema por dentro, realizando as mediações necessárias para superar as contradições.
Acredito em uma instituição que segue as normas de registro propostas pelo estado e que tem a capacidade de dialogar com o sistema, parecendo ser cooptada, mas trazendo em seu funcionamento orgânico o germe catalisador e transformador do modo de produção sem ser percebido.
Para dar consequência a estas ideias, sugerimos uma lógica administrativa colegiada e uma pratica fundamentada em princípios de auto-organização, trabalho em equipe e desmistificação da figura do Mestre como centro do processo, considerando o mesmo como um facilitador pelas experiências acumuladas e sensibilidade interpretativa das questões humanas.

Considerações Finais Provisórias

Estas reflexões propostas são provisórias e insuficientes diante da complexidade do tema abordado, por isso acreditamos que o maior valor deste material será despertar duvidas e criticas, provocando o pensamento para uma ação concreta, rompendo a inércia produtiva ou a retórica estéril dos acadêmicos idiotizados pelo conhecimento.
Queremos propor um rompimento com os padrões intrínsecos de gestão em capoeira, apresentando alternativas antigas, já sistematizadas e adotadas por nossos ancestrais no continente africano, logicamente considerando as questões adaptativas para nossa realidade atual, sem, contudo negligenciar os princípios norteadores da arte.
Finalizo dizendo, que estas idéias apresentadas não são minhas, mas fruto da sabedoria dos antigos Mestres, e que as mesmas provavelmente estão colaborando para destruir o grupo que faço parte e a lógica de trabalho que acreditei e defendi por anos, mas também tenho a certeza de que como no processo de renascimento da FENIX, a capoeira vai despertar e assumir seu papel no processo de evolução da humanidade, e que de outro plano poderei acompanhar meus filhos e netos com a mesma alegria e encantamento que eu possuía nos anos que iniciei nesta arte, e que perdi sufocado pela burocratização da cantiga, da técnica, do toque, considerando principalmente e meu sonho de ter/ser/fazer um GRANDE GRUPO.

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