terça-feira, 28 de agosto de 2007

Bob Marley - Reggae Music

Tava faltando alguma coisa do Bob então vamos começar por aqui.

www.reggaetotal.rg3.net

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Ladainhas e Corridos Mestre Waldemar da Liberdade

Abra os olhos siri de mangue

Iê!

Mas abra os olho siri de mangue.
Abra os olhos siri de mangue.
Todo tempo não é um
A maré de março, ô meu bem.
É maré de guaiamum.

Entre grandes e pequenos.
Hoje não escapa um.
Siri tá se vendo doido,
Na presa do guaiamum.

Camaradinho!
Aquidenrrei!


Quatro coisa nesse mundo

Iê!

Quatro coisa nesse mundo.
Quatro coisa nesse mundo.
Que aperreia o cidadão.

Uma casa com pingueira,
um cavalo chotão’
uma mulé ciumenta
e um menino chorão.

Tudo isso se dá jeito.
O cavalo anegoceia,
o menino se aquelenta,
a casa retelha
e a mulher me cai na peia.

Camaradinha!
Aruandê!

Água de bebe.
Iê, água de bebe.
Ferro de bate.
Iê, ferro de bate.
Riachão

Iê!

Riachão tava cantando.
Riachão tava cantando, ô meu bem.
Na cidade do Açu.
Quando apareceu um nego, o meu bem.
Da espécie de urubu.

Tinha camisa de sola,
calça de couro cru.
Beiços grossos e virados, ô meu bem.
como a sola de um chinelo.

Um olho muito encarnado
outro bastante amarelo.
Ele chamou Riachão
para vir cantar o martelo.

Riachão a respondeu:
“Eu aqui não tô cantando
com negro desconhecido.
Voce pode ser cativo
e andar aqui fugido.”

Camaradinha!
Aruandê!

Vamos nos embora.
Ê vamos embora camará.
Pelo mundo a fora.
Ê pelo mundo a fora camará.
Ê galo cantô.

Ô nega que vende ai?
Arroz de Maranhão.
Ô nega que vende ai?
A moça mandou vende.
Ô nega que vende ai.
Arroz de Maranhão.


Ela tem dente de ouro


Iê!

Ela tem dente de ouro.
Ela tem dente de ouro.
Fui eu que mandei botá.
Vô roga uma praga.
Prá esses dente se quebrá.

Dela não me alembro,
nem quero me alembra.
Das horas amargurada, o iáiá.
Que com ela eu fui passá.

Na beira duma praia
em um bonito luar.
Ela me jurando, ô meu bem.
Que a outro não amava.

Fui prá ilha de maré
joga em Santa Rita.

Duas coisas nesse mundo
que em meu coração palpita.
É um berimbau coiceiro
e uma moça bonita.

Camaradinha!
Aquinderrê!

Vamos nos embora.
Iê, vamos embora camará
Pela barra a fora.
Iê, pela barra a fora camará.
Rio de Janeiro.
Iê, Rio de Janeiro camará.
Cidade da Bahia.
Iê, cidade da Bahia camará.


Eu vô vê lampião .na moita
Vô vê lampião na moita.
Adeus Santo Amaro.
Vô vê lampião na moita
Meu cumpadê amarra o bode.
Que eu também amarro o meu.
Adeus Santo Amaro vô vê lampião na moita.


Quebra, quebra jereba
Quebra tudo hoje amanhã o que quê quebra
Quebra, quebra jereba

Quebra tudo hoja amanhã nada quebra
Quebra, quebra jereba

Quebra tudo hoje amanhã quem que quebra
Quebra quebra jereba


Ê ê ê
Olha o homem que eu matei.
Ê ê ê
Na cadeia eu não vô
Ê ê ê
Olha o homem que eu matei.
Ê ê ê
Era um fino matador.
Ê ê ê.
E um fino matador
Ê ê ê
Amanhã eu vô me embora.
Ê ê ê
Por esse mundo de Deus.
Ê ê ê


Eu não sei como se diz

Iê!

Eu não sei como se diz.
Eu não sei como se diz.
Nesse mundo enganadô.

Fala muito é faladô.
Fala pouco é manhoso.

Como muito é guloso.
Como pouco é sovino.

Se bate é desordeiro, ô meu bem.
Se apanha é derrotino.

Trabalho de marimbondo.
Faze casa no capim.
Se o vento leva ela, ô iáiá.
Marimbondo leva frio.

Saberá quem te matô, ô meu bem.
Foi a lingua nesse mundo.
E tava com sede
tempo tava até ruim.

Eu sempre lhe dizendo
José já matou Caim.

Camaradinha!
Aquinderrei!



Ai Ai ai
Aquilelê
Ai ai ai
Aquilelê


Oia lá siri de mangue

Iê!

Óia lá siri de mangue.
Óia lá siri de mangue.
Todo tempo não é um.

Quanto tempo ocê não guenta
com a presa do guaiamum.

Já comprei todos tempero,
só faltô farinha e banha.

Eu não caio em arapuca
no laço ninguém me panha.

Iê! Viva meu Deus!



Marimbondo, marimbondo.
Me deu sinal.
Marimbondo me mordeu.
Me deu sinal.
Marimbondo me mordeu.
Me deu sinal.
Marimbondo apanhô.
Me deu sinal.
Marimbondo, marimbondo.
Me deu sinal.
Marimbondo, marimbondo.
Me deu sinal.


Pedro Cem



Lá no céu vai  quem merece.
Lá no céu vai  quem merece.
Na terra vale quem tem.
A soberba combatida, o meu bem.
Foi quem mato Pedro Cem.


Deus é pai de todos nós
Eu não sou pai de ninguém
Lá se foi minha fortuna
Reclamava Pedro Cem.
Ontem fui milionário.
Já tive hoje não tenho.

O que ontem me valia.
Hoje nem valia tem.
Batia de porta em porta 
Uma esmola a Pedro Cem
Que já teve hoje não tem

A quem eu neguei a esmola.
Hoje me negue também.
Nasci num berço dourado
Dormi num colchão macio 
Hoje morro no relento
Nesse imundo e chão frio

A justiça examinando, o meu bem.
No bolso de Pedro Cem.
Encontrou uma mochila
Dentro dela um vintém.
Um letreiro que dizia
Uma esmola a Pedro Cem
Que já teve, hoje não tem.

Camaradinha, Arundê

Iê, Aruendi


O Diabo respondeu ...



Eu já canto a muitos anos.
Eu já canto a muitos anos.
Não vô em toda função.
Algo contraditório, o meu bem.
Com essa fúria de leão.
Nunca se esperiente, o meu bem.
Com ânsia de libertação

O diabo respondeu.
Voce hoje fica sabendo.
Que o peso de um cantadô.
De manter obediência
Conhecer o meu valor
Quando me vê outra vez
Me chama de professor

Ah, Ah.

Me diga de onde vem.
Me diga para onde vai.
Se é casado ou solteiro.
Que trabalho você faz.

O diabo respondeu.
Não tenho superior.
Sô filho da liberdade.
Eu não conto minha vida.
Pois não há necessidade.
Eu não sô foragido
Nem gosto de autoridade

Camaradinha.

Iê, Galo cantou.
Iê, cocorocou
Iê, água de bebê.


O valente Vilela



Senhores peço licença.
Senhores peço licença, o meu bem.
Para lhes conta uma história.

O valente Vilela.
Trago sempre na memória.
Entoou por quinze anos.
Sempre a canção da vitória.

Ali tinha um capitão.
Um sujeito muito ousado.
Disse eu vou na Serra Torta.
Trago Vilela amarrado.

No outro dia bem cedo.
Marcharam para o lugar.
Onde morava Vilela.
O povo foi ensinar.

Chego lá o capitão.
Mandou a casa cercar.
Cercaram ali a casa.
Ficaram de prontidão.

Vilela abre a porta, o meu bem.
Por ordem do capitão.
Você ouve direitinho.

Vilela tava em casa.
Sem nada disso saber.
Porque vocês vão se embora.
Não venham me aborrecer.

Responda me soldado.
Responda me soldado.
Se veio matar ou morrer.

O soldado respondeu.
Não vim matar nem morrer.
Ta enganado sujeito.
Por ordem do delegado, o meu bem.
E do juiz de direito.
Você hoje me dá conta.
Das morte que já tem feito.
Eu aqui na Serra Torta.
Já fico como um comum
Porque quem mata cem.
Também mata cento um.

Camaradinha.

Aquinderrei.


Cobra assanhada



Quando vê cobra assanhada.
Não bote o pé na ródia.
Se a cobra assanhada morde.
Se eu fosse cobra mordia.

Cachorro que engole osso nalguma coisa se fia.
Ou na goela, ou na garganta, ou em outra freguesia.

Prenderam Pedro Mineiro.
Dentro da secretaria.
Para dar depoimento.
Daquilo que não sábia.

Camaradinha.

Aruandi.

Vamos nos embora

Ai ai ai

Olelê.

Ladainhas e Corridos do Mestre Canjiquinha

LADAINHAS

Contarô minha mulher I


Iê!

Contaro minha mulher,
Contaro minha mulher,
que a polícia me intimô.

Dentro da delegacia,
para dar depoimento, o meu bem,
do causo que eu não sabia.

Conto com minha cara,
outro remédio não há.
Na igreja bateu sino,
lá na mata deu sinal.

Mataram Pedro Mineiro,
dentro da delegacia.
Delegado me intimô,
para dar depoimento, o meu bem,
do causo que eu não sabia.

Iê! Viva a Bahia!

Quando eu fui prá Liberdade

Iê!

Quando eu fui prá Liberdade.
Quando eu fui prá Liberdade.
Eu passei pelo Barbalho,
encontrei Getúlio Vargas
e o Ministro do Trabalho.

A baleia me dizia,
com toda veneração.
Que eu voasse na cabeça, meu bem.
Não é na carteira não.

Ë verdade Valdemar,
tua fala já valeu.
O discípulo deu no mestre,
capoeira me venceu.

Iê! Viva meu Deus!


O Brasil disse que sim

Iê!

O Brasil disse que sim,
O Brasil disse que não.
O Brasil disse que sim,
mas o Japão disse que não.

Uma esquadra poderosa,
para brigar com os alemão.
Dê meu nome, agora eu vou
pro sorteio militar.

Quem não pode com mandinga, o meu bem.
Não carrega patuá.
Quem não pode não inventa.
Deixa quem pode inventá.

Iê! Aquilelê!



Joguei meu lenço prá cima

Iê!

Joguei meu lenço prá cima.
Joguei meu lenço prá cima.
Apanhei meu canivete.

Quem me ensina esta quadra.
Foi o bamba dezessete,
sobrenome Suassuna.
De maduro foi o fino.

Tirei carta de malandro,
certidão de vagabundo.
Na roda da malandragem, o meu bem.
Eu não dei neu passo errado.

Iê! Galo cantô!


Contarô minha mulher II

Iê!

Contarô milha mulher.
Contarô milha mulher.
Que a polícia me intimô.
Dentro da delegacia
para dar depoimento, o meu bem.
Do causo que não sabia.
Conto com minha cara.
Outro remédio não há
Na igreja bateu sino, o meu bem.
Lá mata deu sinal.
Mataram Pedro Mineiro
dentro da delegacia.
Delegado me intimô
para dá depoimento, o meu bem.
Do causo que não sabia.
Iê! Viva a Bahia!


Era eu, era meu mano

Iê!

Era eu, era meu mano.
Era eu, era meu mano.
Era meu mano mais eu.

Eu vi a terra molhada, o meu bem.
Era eu era meu mano
todos os dois andava junto.

Eu não sei de Deus consente
numa cova dois defuntos.

Dedo de moleque é dedo.
Dedo de moleque é mão.
Sangue corre pela veia, o meu bem.
Na palma da minha mão.

Iê! Aquinderrê!


Quando eu fui prá Liberdade

Iê!

Quando eu fui prá Liberdade.
Quando eu fui prá Liberdade.
Eu passei pelo Barbalho
encontrei Getúlio Vargas
e o Ministro do Trabalho.

Minha mãe vô sê bomberô.
Meu filho bomberô não.
O bombero apaga o fogo
anda com a morte na mão.

Ë verdade Valdemar
você é quem tem razão.
Quando o sino grande bate
o pequeno já bateu.

É verdade meu colega.
Prenderam Pedro Mineiro.
Dentro da delegacia
para dá depoimento.
De um caso que não sabia.

Camaradinha! Aruandê!


O macaco e o leão

Iê!

O macaco e o leão.
O macaco e o leão.
Fiseram combinação.
O macaco na levada.
O leão passando a mão.

Mariposa não prenda
dentro do seu coração.
Se ela tem dente de ouro.
Fui eu que mandei botar.

Vô te roga uma praga
prá esses dente se quebra.

Camaradinha! Aruandê!


O calado é vencedô

Iê!

O calado é vencedô.
O calado é vencedô.
Mas para quem juízo tem.
Quem espera se fisgado, o meu bem.
Não roga pega ninguém.

A mulher é como a cobra
tem o sangue de peçonha.
Deixa o rico na miséria
deixa o pobre sem vergonha.

Vô dize prá meu amigo.
Que agora a parada é dura.
Quem ama a mulhér dos outros
não tem a vida segura.

Iê! Aquilelê.


Contarô minha mulher

Iê!

Contarô milha mulher.
Contarô milha mulher.
Que capoeira me venceu.
Ela bateu pé firme e jurô.
Isto não aconteceu.

Quando eu entro voce sai.
Quando eu saio voce entra.

Nunca vi mulher danada, o meu bem.
Que não fosse ciumenta.
Ë na fé o que se move
é o ciúme do desejo.

Quando o sino grande bate
o pequeno já bateu.


Minha mãe vô sê bombeiro.
Minha mãe vô sê bombeiro.
Meu filho bombeiro não.
O bombeiro apaga o fogo
anda com morte na mão.


O exercito é de batalha.
A marinha é de campanha.
Os bombeiro apaga o fogo.
a polícia é quem apanha.

Camaradinha!
Iê! Aquinderrê!


CORRIDOS


Ai Ai Aidê.
Joga bonito que eu quero aprendê.
Ai Ai Aidê.
Joga bonito que eu quero aprendê.
Ai Ai Aidê.
Já começa vai você.
Ai Ai Aidê.

Oia o nome do pau.
É Pindombê.
Olha pinta do pau.
É Pimdombê.
Oha a copa do pau.
É Pimdombê.
Olha fenda do pau.
É Pimdombê.
Olha o nome do pau.
É Pimdombê.


Vô dize a meu sinhô
que a manteiga derramô.
A manteiga não é minha
é da filha de Iôiô.

Vô dize a meu sinhô
que a manteiga derramô.


Panha daqui bota ali.
Ô Dalila.
Panha de lá botá cá.
Ô Dalila.
Panha daqui botá ali.


Manda lecô.
Cajuê.
O manda loia.
Cajuê.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Capoeira Angola - Diferenças

1 -Douglas vou começar respondendo sobre o que eu acho a respeito de Mestres de Capoeira Regional jogarem e ensinarem Capoeira Angola.

Eu acho que reproduzir os movimentos de Capoeira Angola com perfeição qualquer pessoa comum pode fazer, inclusive sendo praticante de artes marciais e até mesmo da Capoeira Regional.

Isso não quer dizer que essa pessoa jogue Capoeira Angola, para isso é preciso um pouco mais. Essa pessoa tem que incorporar todos os valores inerentes a essa tradição, tem que estar em contato com o ritual respeitando a musicalidade em sua movimentação, tem que evocar o malandro, o moleque, o vadio, o capoeira, o escravo sem direito a nada, para o plano concreto da roda de Capoeira Angola.

Sabe porque se joga Capoeira Angola calçado?
Por reverencia ao sagrado. O negro que possuía um calçado era distinto e é por isso que os antigos jogavam Capoeira Angola calçados, por respeito ao ritual mostrando que eram distintos.

A movimentação mais característica da Capoeira Angola é com a palma da mão colada no chão, gostaria de saber quem na Capoeira Regional usa se movimentar dessa maneira. Eu nunca vi.

Sabe o que significa jogar com a cabeça no chão?
Durante o jogo se movimentar apoiando a cabeça no chão é um gesto de provocação. Significa claramente vem me pegar, claro que quem provoca tem que ter “bala na agulha” se não é melhor não arriscar.




Sabe qual é a origem da “Chamada” ?

A chamada ocorria quando o quilombola percebia que o “capitão do mato” (caçador de escravos) estava só e de a cavalo. O quilombola então saia no meio da capoeira e se postava como rendido de mãos para cima ou de braços abertos.
O capitão do mato se aproximava, apeava do cavalo e chegava no quilombola. Que só estava aguardando o vacilo do capitão do mato para soltar uma benção, atirando o capitão do mato para longe e ele aproveitava para fugir levando o cavalo, essa era uma estratégia de luta.

Para ser um jogador de Capoeira Angola tem que ser consciente de que faz parte de tudo isso e afirmar isso como sua cultura, sua tradição. Que é negro, que é afro-brasileiro. Assim sendo eu acho que para jogar Capoeira Angola é preciso bem mais do que executar os movimentos com perfeição.

Quem não estiver ligado diretamente à raiz dessa tradição não tem condições de ensinar e inclusive acho uma falta de respeito e consideração com a Capoeira Angola e seus Mestres quem assim procede. Não existe filho sem pai, quem não tem pai nem Mestre na tradição na Capoeira Angola é um oportunista que esta tirando proveito de um conhecimento que não lhe pertence.

2 – O que eu acho a respeito de Mestre Suassuna?

Bem eu não conheço Mestre Suassuna pessoalmente, conheço um disco e até uma de suas academias em Campinas. Mas me consta que ele não esta ligado a nenhum Mestre de Capoeira Angola e não existe Mestre de Capoeira Angola que não tenha descendência que deve preservar as características próprias do ritual da sua tradição ancestral. Qual é a descendência de Mestre Suassuna na Capoeira Angola?


3 - Primeiro para um capoeira regional se transformar em um angoleiro ele deve abrir mão de tudo o que ele acha que conhece a respeito de capoeira para então se iniciar. Com muito respeito e dedicação, com interesse em aprender a historia, a origem, quem foram seus praticantes, a que camada social pertenciam, como viviam e eram tratados. Entender que a Capoeira Angola no inicio do século passado era praticada por trabalhadores, ex-escravos que aprenderam ofícios artesanais, daí a origem do termo “mestre” porque os praticantes da Capoeira Angola eram mestres de vários ofícios todos eram mestres e todos eram perseguidos e discriminados por jogarem Capoeira Angola inclusive sujeitos a deportação para Fernando de Noronha. A capoeragem era crime mas seus praticantes eram trabalhadores, pessoas de bem e é isso o que Mestre Pastinha quis mostrar. Que o jogo de Capoeira Angola é uma brincadeira saudável, baseada num rígido respeito à ética e a dignidade humana. Praticada com inteligência e elegância essa elegância é oriunda da realeza africana que se expressa com movimentos nas pontas dos pés, giros, agradecimentos e reverencias.

Quem quiser descobrir os mistérios e a magia da Capoeira Angola vai realmente crescer no seu conhecimento, mas principalmente vai crescer como pessoa humana.

Capoeira Angola é dor, é sacrifício, é alegria, é reverencia, é humildade, é emoção, é sentimento.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

O que é Capoeira Tradicional?

No Sul, Porto Alegre em particular se sustentam idéias bastante estranhas e um tanto diferentes em relação as demais regiões do país e até mesmo do exterior. Com relação a Capoeira, seu significado, sua organização e sua pratica.

Conceitos como o da segregação da Capoeira nas modalidades Angola, Regional e Tradicional. Inclusive reconhecidos pelos órgãos oficiais de Educação do Estado do Rio Grande do Sul e do Município de Porto Alegre.
Bem, a questão é a seguinte. O que é Capoeira Tradicional? Histórica e sociologicamente a Capoeira é uma só. Que chegaram até o presente através de uma divisão que serviu para que a Capoeira fosse admitida no contexto da sociedade branca, escravocrata e racista. que precisou, para ser admitida que fosse “lustrada” com conceitos que originalmente não lhe eram conferidos, pelo contrário. Esporte, luta, símbolos patrióticos foram agregados a “brincadeira” de Capoeira. Também a instrumentação foi suprimida, por uma estilização da “charanga” de Capoeira, reduzindo a quantidade de instrumentos e o conhecimento dos toques e sonoridades do berimbau foram abreviados. Foi substituída a sabedoria popular das cantigas centenárias que ilustravam o dia a dia do cativo em terras brasileiras, o banzo e o saudosismo, por uma pseudo criatividade e modernidade. Com todas estas perdas a maior de todas então a celebração, o ritual que envolve todo o acontecimento da Roda de Capoeira passa a ser mero acessório que serve apenas para estimular a disputa de um embate esportivo.

A Capoeira mesmo, esta, continua a mesma, uma só “brincadeira” e ritual sacro profano que reproduz a cosmovisão do afro-brasileiro na Roda, na “charanga” ritual, na movimentação requintada, fina e provocadora, rica de puro fingimento.
Destreza e habilidade executada por “cavalos” que são ocupados por entidades sagradas, da distante África mãe e do recém nascido Brasil e se manifestam na Roda de Capoeira. Essa Capoeira não precisa evoluir, pelo contrário tem de ser resgatada na sua mais integral originalidade e é assim que ainda se vê em alguns lugares na Bahia, evidentemente seu principal pólo irradiador e nos lugares onde a história, a tradição, a cultura e suas origens são preservadas e respeitadas a Capoeira esta presente.

É desnecessário dizer que esta Capoeira sempre foi denominada de Capoeira Angola que originalmente Capoeira é Capoeira Angola. Então de onde, com que argumentos se sustenta uma Capoeira Tradicional? De onde surgiram estes conceitos? Foram consagrados em que contexto? No que se sustentam seus fundamentos? Quem são seu expoentes?

São respostas que devem ser imediatamente respondidas.

CAPOEIRA O KARATE BRASILEIRO Por Mestre Pastinha tradução livre entrevista de Mestre Pastinha a uma publicação americana

Os jogadores desejam saltar, pular, contorser, passar por cima, chutar seus adversários, depois evitam retaliações deslizando pelo chão como uma serpente.

A 400 anos atrás em Angola, na costa oeste da África, uma forma de combate praticada pelos nativos havia começado a ganhar forma naquilo que nós poderíamos chamar de arte marcial.

Quatro séculos atrás, graças aos interesses comuns de Portugal e Angola em trocas com o Brasil, a capoeira é praticada nesta nação sul americana. Aquele distante e rudimentar método de defesa pessoal que se originou no continente negro, porem. Através dela conta a história.
Nos dias das grandes plantações, os senhores desaprovavam e mutilavam seus escravos mais hábeis. Praticantes de capoeira foram perseguidos nas mãos da polícia dos senhores.

Para poder escapar da perseguição, os capoeiristas disfarçaram o seu jogo transformando o numa dança constituída de pantomima, música e dança. A capoeira deixou de ser um problema de violência e morte e passou a ser um divertimento, uma distração.

Começou o costume de se dizer que “os nativos estavam jogando no estilo de angola”. Durante a plantação capatazes aplaudiam as performances dos jogadores que pulavam, saltavam, contorsiam, passavam por cima e chutavam seus adversários, depois evitavam retaliações deslizando pelo chão como uma serpente. Acompanhado de grandes maldades decorrentes das crescentes dificuldades. A Capoeira trouxe com ela. Nomes legendários surgiram, lutadores invencíveis, homens com o corpo fechado para facas e navalhas, homens que venderam a alma para o diabo, homens de classe contra os poderosos inimigos, homens que podiam se livrar de qualquer tipo de emboscada.

INSTRUMENTOS DE CAPOEIRA
O Berimbau um tipo de harpa judia que se divide em dois tipos. O Berimbau de Boca e o de Barriga. O Berimbau de boca era usado pelos angoleiros, daí em diante, costuma dizer que ele é originário de Angola. Isto é contestado por alguns estudiosos do assunto. Ele consiste de um arco com uma corda esticada até o limite (como uma videira). A ressonância é feita na boca do tocador. A corda é vibrada batendo nela com uma faca.

O berimbau de barriga é o mais conhecido feito de um pedaço de madeira chamada de “o pombo” que é mantido esticado por um fio de aço. O ressonador é uma pequena cabaça, presa no fio por um cordão. O fio produz o som que é modulado por uma moeda enquanto a boca da cabaça é colocada em diferentes distâncias da barriga do tocador.

O berimbau tem muitos toques vibrantes que são maravilhosamente adaptados para reproduzir e influenciar os quadris e os saltos felinos dos capoeiristas. Independente disto ele traz melancolia nota das canções do lundu que acompanham os movimentos do jogo capoeira.

De acordo com Oneida Alvarenga, a música do berimbau “é uma força que ativa a energia dos dois guerreiros e de certa maneira amarra sua alma no jogo, então em pouco tempo estão inteiramente dependentes e regulados por ele”. O calor da batalha cresce de acordo com o crescendo ou retardamento da música.

Outro instrumento que acompanha a evolução da capoeira é o caxixi. Que consiste numa cestinha de bambu com sementes ou conchas no seu interior. O orifício é fechado com casca de abóbora seca. Ele faz o acompanhamento do berimbau enquanto o arame vibra ele acompanha com chocalhar das sementes secas.

O terceiro instrumento que com freqüência acompanha a capoeira é o reco-reco. É um pedaço de bambu, em que são feitos inúmeras incisões laterais para sair o ar que é vibrado por um pedaço de cana que é arrastado sobre as incisões num lado do bambu, para produzir o som característico.

Finalmente, devemos considerar o pandeiro. É um instrumento regional, usado não somente para acompanhar capoeira, mas também para marcar o ritmo do nosso samba. Sua forma é bem conhecida, um circulo de madeira flexível, com uma pela fina em cima, com o tilintar de latas flamengas. Algumas associações utilizam o agogô.

TOQUES DE BERIMBAU

O berimbau é usado para acompanhamento da Capoeira produzindo definidos e determinados tons que modulam o ritmo do jogo. Os mais importantes são os seguintes:

São Bento Grante – Jogo Leve
São Bento Pequeno – Samba da Capoeira
Banguela – Jogo com facas e navalhas – vivo e animado
Santa Maria – Jogo respeitoso
Ave Maria – hino da Capoeira
Amazonas – Jogo do Meio
Iúna - Jogos de Cobras
Cavalaria – Sinal que denuncia a proximidade de estrangos
Angolinha
Samba de Angola

Vendo o que nos falamos é fácil de entender as características do jogo de capoeira. Com o som do toque de São Bento Pequeno o combate se transforma no encontro com o samba. Os bons mestres de capoeira para fazer uma demonstração de sua singular habilidade nesse jogo, depois de golpes e contra golpes, girando no espaço esquerdo numa confusão de pernas e braços, até o fim da batalha sem apresentar uma única mancha na sua roupa de Domingo (Domingueira).
Os velhos mestres, assim como eu, são capazes de feitos semelhantes. Nos meus 74 anos, eu somente jogo com meus alunos. Eu gostaria de me apresentar em qualquer parte do mundo. Como brasileiro sou grato a esta terra amiga, a qual gostaria que me desse a oportunidade de me apresentar com meus alunos. Para mostrar aos nossos irmãos Americanos as possibilidades de defesa pessoal contra um inimigo, um adversário, vários adversários sem necessidade de arma de fogo ou navalha.

Ao contrário se o capoeirista encontra adversário armado com arma de fogo, tem chance através da clareza e a agilidade da Capoeira de desarmar seu adversário pegando a arma para si. Ou se não for possível pegar a arma de fogo, ganhar a luta ligeiro atirando a arma do adversário no chão.

Mesmo que o capoeirista seja fisicamente inferior ao seu adversário, o bom capoeirista não tem medo, se ele tem um físico superior, se ele é mais jovem, se esta armado com unhas e dentes. No caso de não ser possível mostrar a Capoeira na América. Eu ficava agradecido se seu povo puder vir a nossa terra, o Brasil. Viver em Salvador – Bahia, para conhecer na intimidade este jogo, esta forma de defesa pessoal, como é a Capoeira, substituindo bem qualquer arma de fogo, a força física ou a idade para sua defesa pessoal.

2. texto de Eunice Catunda, em artigo intitulado "Capoeira no Terreiro de Mestre Waldemar", publicado em Fundamentos - Revista de Cultura Moderna, no

"O senso de realização coletiva, própria essência da arte, se revela no tríplice aspecto da capoeira, que é uma fusão de três artes: música, poesia e coreografia. ...O ritual, a tradição a que obedecem os participantes da capoeira, são muito rígidos. O mestre é o conhecedor da tradição. Daí ser ele, também a autoridade máxima. Supervisiona o conjunto todo, determinando a música, o andamento, tirando ou indicando os cantos ou indicando a pessoa que o faça."
"Quando chegamos ao terreiro a capoeira já começara. Dois dançarinos coleavam rentes ao chão, enquanto dois berimbaus e três pandeiros acompanhavam com estranhos ritmos e sons aquela dança magnífica e arrebatadora, de gente combativa e forte. Os dançarinos do momento eram um carregador do mercado de Água dos Meninos e um operário da construção civil. O operário estava todo de branco, sapatos brilhando, camisa alvejando. Era um dos melhores dançarinos. É costume da fina-flor dos capoeiristas o dançar assim, 'de ponto branco' como se costuma dizer, para demonstrar sua perícia. Chegam ao cúmulo da dançar de chapéu e os bailarinos hábeis se gabam de sair da dança sem uma só mancha de terra na roupa, limpos e bem arrumados como se ainda não houvessem entrado em função."
"A dança da capoeira é a representação simbólica de antigas lutas autênticas. Na Capoeira de Angola, os dançarinos volteiam quase rentes ao chão, realizando paradas de braço, em posição horizontal, girando, escorregando como enguias e escapulindo por sob o corpo do adversário. Os golpes são constatados por mesuras e pelas exclamações dos assistentes. Aliás, não fora a precisão daqueles movimentos, muitos dos golpes seriam mortais. Esse é o caso das célebres cabeçadas assestadas contra o peito e cujo impulso é sustado só no derradeiríssimo momento, quando a cabeça de um dos bailarinos já aflorou o corpo do outro. A violência latente nunca se desencadeia e esse extraordinário domínio de paixões mantêm a assistência numa incrível tensão de nervos, empolgando a todos numa espécie de hipnotismo coletivo quase indescritível.
Só aqueles que assistiram a uma demonstração de Capoeira de Angola poderão compreender a monstruosa força e controle exigidos para que realize cada um daqueles movimentos, sem que se dê lugar a qualquer agressão, sem que se perca a elegância e a graça felina de cada gesto, absolutamente medido, calculado por uma espécie de instinto, já que os elementos atuantes se acham inteiramente entregues a aquela arte aparentemente tão impulsiva e espontânea."
"Apesar da violência latente, não sobrevêm a hostilidade. Há no meio daquilo tudo imensa fraternidade e júbilo. Verificam-se passes espirituosos de bailarinos brincalhões e sorridentes, a realizar difíceis e perigosíssimos passos e golpes. E entre os assistentes estouram sonoras risadas.... Jamais vi, em danças de conjunto, nacionais ou estrangeiras, tão arrebatadora beleza, aliada a tal rapidez, precisão e força reprimida, dominada por uma inteira disciplina e lucidez."
"Os solistas se alternavam, dando à melodia a característica própria de seu temperamento humano. Umas eram mais vivas, mais espirituosas, enquanto outras eram sonhadoras, singelas. Mas todos os textos profundamente poéticos. 'Lembro-me bem de uma voz que se elevou para cantar a beleza dos saveiros de velas enfunadas, louvando o mar generoso e o vento que os conduz. Descreveu o vento a acumular nuvens para depois dissolvê-las em gotinhas de chuva, sobre a branca vela dos saveiros que embalou. Era a poesia popular que se fazia presente no esplendor típico da arte única que é a Capoeira de Angola. E a tudo isso o coro continuava a responder pela boca de todos os assistentes e participantes: 'Eh! Paraná, eh! Paraná, camará...' enquanto os dançarinos voltejando, girando, desviando os corpos das cabeçadas, rindo alto, aos saltos, elásticos como gatos."
Fonte:Camille Adorno. A arte da capoeira. Goiânia, Kelps, 1987.


3. registro de Manuel Querino
Cantiga"Tiririca é faca de cotá,Jacatimba muleque de sinhá,Subiava ni fundo di quintá.Aloanguê, caba de matáAloanguê.Marimbondo, dono de matoCarrapato, dono de fôia,Todo mundo bêbê caxaxa,Negro Angola só leva fama.Aloanguê, Som Bento tá me chamando,Aloanguê.Cachimbêro nã fica sem fogo,Sinhá veia nã é mai do mundo,Doença que tem nã é boa,Nã é cousa de fazê zombaria.Aloanguê, Som Bento tá me chamando,Aloanguê.Pade Inganga fechou corôaHade morê;Parente, não me caba de matá.Aloanguê, Som Bento tá me chamando,Aloanguê.Aloanguê.Camarada, toma sintido,Capoêra tem fundamento.Aloanguê, Som Bento tá me chamando,Aloanguê, caba de matá.Aloanguê."
Carybé
4. registro de Odorico Tavares"Com os tocadores ao seu lado o mestre levanta a voz, iniciando o canto. Os jogadores, em número de dois, estão de cócoras, à sua frente. é lenta a toada que o mestre canta, como solista e já os capoeiras acompanham-no em movimentos mais lentos ainda, como cobras que começam a mover-se: olhe o visitante atentamente, como aqueles homens nem ossos tivessem, seus membros parecem que recebem um impulso quase insensível, de dentro para fora. O mestre canta os últimos versos do seu solo e o coro responde, os instrumentos respondem fortes, o ritmo violento, as vozes altas:
Aruandêê, êAruandêCamaradoJá os capoeiras se expandem em gestos, em movimentos, em baile que será sempre surpresa. É dança que é luta: golpes, negaças, rasteiras, numa surpreendente beleza de movimentos. Os homens não se tocam para defesas e ataques que se sucedem em imprevistos de segundos. É um milagre em que a violência de um ataque resulte em outro ataque, em que ninguém se toca, ninguém se fere, ninguém se agride. É combate, é baile que dura horas. Estão suados, mas jamais há o menor ar de cansaço. Pode ser uma criança, pode ser um jovem, pode ser um velho: a resistência é a mesma. No mundo da capoeira não há possibilidade de derrota pelo cansaço físico....Desde os primeiros tempos da escravidão, vindo de Angola, mas como ato de simulação, escondendo, por trás dele, os verdadeiros intuitos dos seus componentes de se adestrarem para a luta, para o que der e vier. Os capoeiras brincando e jogando, nenhuma suspeita poderiam causar aos seus donos. Os negros de Angola já vinham senhores de sua agilidade, de sua força física, postas à prova em mais de uma revolta, em mais de um conflito, em mais de um incidente."







Carybé













Os movimentos da Capoeira Angola são tradicionais mas cada capoeirista os reproduz a partir de sua constituição física e gestualidade.
Há uma série de movimentos (golpes) básicos que se desdobram em variações e combinações complexas, o que leva a compará-los com os sons musicais.
A seqüência é opção de cada capoeirista, sempre em estreita dependência dos movimentos do parceiro de jogo.
"Era eu era vocêEra você era euEra eu era meu manoEra mano era euVocê não jogava sem eu."(Mestre Pastinha)

"O jogo se desenrola com a ginga, movimento de dança e de luta; de concentração e descontração, personalizado, e desconcertante.Mas muitas começa com movimentos próximos ao chão.De pernas para o ar, o capoeirista está em posição de ataque e ao mesmo tempo defende tronco e cabeça...Pode girar as pernas tendo a cabeça ou mãos como eixo.As pernas no chão podem levar um golpe aos pés do parceiro ou formar uma tesoura para derrubá-lo."
"Mãos no chão, como em falsa queda, as pernas continuam livres, de frente ou de costas.Já de pé, o capoeirista pode partir para uma cabeçada ou se agachar para uma rasteira.De frente para o parceiro, pode surpreendê-lo sendo direto ou desenhando um golpe no ar. Ou se esquivar e ao mesmo tempo golpear.E de repente girar e voltar, como pião.Se preciso, pode procurar espaço, dissimulado, de cabeça para baixo.E logo rolar, protegendo a cabeça e preparando um ataque.Ou se afastar voando pra trás..."

Eu a Capoeira e a Capoeira Angola

Comecei a praticar a Capoeira em 1978, com Mestre Índio do Mercado Modelo, com o Grupo de Capoeira Regional Filhos de Oxossi, foi uma das primeiras academias de capoeira de Porto Alegre. O local era no terceiro andar de uma das entradas secundarias da Galeria do Rosário, na parte inacabada do prédio que por sinal continua inacabado até hoje. O acesso era feito pela Gal. Vitorino, ou pela própria Alberto Bins. Eu era bastante magro e não levava jeito para o troço tinha muita dificuldade. Um fato pitoresco é que o Mestre já morava na cidade há algum tempo mas ainda não tinha fincado raízes na cidade. Ele morava numa quitinete no mesmo local da Academia e ele mesmo que tentava organizar a parte administrativa da academia. Foi quando apresentei para o Mestre minhas amigas Maria, sua prima Jussara lá da Vila Ingá. Elas passaram a secretariar a Academia e conviver com o Mestre que inclusive acabou se casando com a Jussara. No grupo Filhos de Oxossi conquistei o cordel verde o primeiro da capoeira regional em um grande batizado realizado no Petrópolis Tênis Clube. No início da década de 80 o Mestre foi convidado a dar aulas em uma grande e conceituada academia de dança de Porto Alegre a Academia Mudança, nesta ocasião à antiga Academia da Galeria do Rosário acabou e como muitos alunos não tiveram condição de acompanhar a mudança do centro para a avenida Independência ficaram de fora desse novo momento do grupo Filhos de Oxossi. No grupo Filhos de Oxóssi conheci capoeristas como Ligeirinho, Grilo, Carcará, Biriba, Kunta Kinte, Torelli, entre outros. A capoeira praticada nesta época era bastante agressiva e exigia grande desenvolvimento físico e técnico o biótipo era fundamental para se destacar e evoluir no processo. Os treinamentos seguiam a linha militar com varias sessões de treinamento sucessivas com repetição de golpes e seqüências nesta época não se falava claramente em seqüência de regional de Bimba embora se praticasse alguma coisa da seqüência e dos balões cinturados.
Com o fechamento da Academia no centro e a novas condições para fazer capoeira a Mudança acabei indo treinar com um dos alunos formados pelo Mestre Índio o Eduardo Torelli. Nesta ocasião treinávamos na sede da Federação Gaúcha de Pugilismo na esquina da rua Riachuelo com Caldas Junior em um casarão muito antigo o grupo se denominava Macunudos do Berimbau nome de autoria do Torelli, neste grupo tive o apelido de Zeus devido a uma grande barba que eu usava na época. Os treinos eram muito pegados e cheguei a quebrar a fíbula ao receber uma meia lua de compasso em certa ocasião. Os treinamentos seguem a linha militaresca com sessões de treinamentos específicos ainda não se falava abertamente em seqüência de Bimba. Eu ainda era meio desajeitado mas era insistente e num batizado realizado lá mesmo no velho casarão da Riachuelo, com a presença de Carcará e do Nino, recebi o cordel verde-amarelo. Pouco tempo depois o casarão foi considerado comprometido e tivemos que parar de treinar lá subitamente, em seguida ele foi derrubado. Nessa época havia chegado em Porto Alegre o Mestre Miguel Machado e estava estabelecido com sua academia e com o Grupo Cativeiro de capoeira na r. Gen. Câmara, mais ou menos no meio da quadra em um prédio de três andares. Fui treinar com o Grupo Cativeiro por indicação do próprio Torelli, bem, antes tive que passar por período de testes e provações que durou mais ou menos uns três meses onde era permanentemente testado quanto as minhas condições físicas e meus propósitos com a capoeira. Mestre Miguel era bastante comprometido com questões políticas, raciais e sociais e não aceitava como seus alunos só quem pudesse pagar para aprender seu conhecimento tinha que ter compromisso com o grupo e com a capoeira. Estávamos talvez em 1983 e já chegava ao cordão amarelo e convivi com Treze, Ivonei, Chola, Bartelemi, Mico, Ratinho, Fernando, Jaburu, Marcelo entre outros. Foi atraves das idéias do Mestre Miguel que passou a aprofundar o conhecimento a respeito da Capoeira Angola que comecei a despertar meu interesse para questões que envolvessem aspectos sociais, culturais e raciais relacionados com a capoeira. Sempre tive muitas dúvidas a respeito da exigência de se possuir um biótipo especial que te habilitasse a praticar capoeira que era o modelo que eu conhecia do Filhos de Oxossi. Entendia que ao contrario a capoeira era muito mais astúcia, técnica do que força. Essas questões me levavam a questionar a capoeira regional como única verdade absoluta a respeito da capoeira. Os treinamentos na escola de Mestre Miguel já não são tão rígidos e militarescos, já predominam os movimentos de capoeira, se fala e se pratica a seqüência de capoeira regional de Mestre Bimba e os balões cinturados. Em outra ocasião Mestre Miguel levou Mestre João Pequeno a Porto Alegre e eu levei o Mestre e alguns de seus alunos que o acompanhavam na ocasião a uma festa de batuque na Vila São José, na qual meu pai de santo Carlinhos da Óxum se apresentava como Alabê. Ao final de 1984 Mestre Miguel retornou para a Bahia e eu tive a oportunidade de lhe visitar na ilha de Itaparica e ter meu primeiro contato com a capoeira na cidade do Salvador.
Em 1985 conheci Rogério Rasta de Belo Horizonte que veio a Porto Alegre com um grupo de teatro e pela primeira vez alguém se apresentou como angoleiro de fato, na ocasião levei ele na Diretoria Natural local que o Mico dava aulas e ele falou a respeito de Mestre Pastinha e da Capoeira Angola. Alguns anos mais tarde em 1992 fui morar em Belo Horizonte e próximo do local em que eu trabalhava eu passava e ouvia o som de berimbaus. Um dia resolvi entrar e mesmo de terno e gravata me ofereceram um pandeiro que toquei junto com Jauvert, André e Primo, bem passei a freqüentar o local e treinar regularmente a Capoeira Angola que era coordenada pelo Primo, mas participavam vários grandes e bons capoeiristas como Andréia, Edu, Alcione, os Ricardos, era o Grupo Iuna de Capoeira Angola, este grupo tinha sido fundado por Rogério Rasta que nessa época estava na Alemanha. Conheci a fina flor da capoeiragem de Beaga, o GCAP de Léo, Wiliann, a FICA de Jurandir . O Joazinho com sua academia no terraço da Rua da Bahia e sua roda. O Edson a Dra. Fafá. Aprendi os fundamentos da capoeira angola em Belo Horizonte e também foi lá que conheci Mestre Moraes. Com quem desde 1997 passei a treinar desde que fui morar em na cidade do Salvador. Mestre Moraes é o responsável pela idéia de uma formação integral na capoeira fundindo elementos místicos, rutualisticos, sociais, culturais e filosóficos. Não existe capoeira sem comprometimento isso Mestre Miguel já havia me ensinado, mas é essencial saber o que estamos fazendo e porque estamos fazendo a capoeira nesse momento histórico qual seu significado. O Grupo de Capoeira Angola Pelourinho com que convivi era formado pelos seguintes capoeiras: Pepeu, Marcio, Ulugimi, Honorato, Neide, Verônica, Linda, Álvaro, Roberto, Marcos Rasta, Lenilton entre outros. Morei em no Salvador até 2003 quando retornei para o Rio Grande do Sul me fixei em Restinga Seca onde desenvolvo projeto com a comunidade remanescente de quilombo do São Miguel, Onde procuramos despertar o conhecimento e o interesse pela nossa historia em crianças e adolescentes da comunidade.

O jogo de Capoeira Angola

O jogo de Capoeira Angola acontece em dois planos o objetivo e o subjetivo:

O plano objetivo é aquele que é visível e acontece no âmbito da matéria, do físico, do concreto.

Nesse plano o jogo de Capoeira Angola de acordo com a concepção transmitida por Mestre Pastinha é uma melhor de três em que se um dos jogadores superar o oponente duas vezes ganhou o jogo e se houver empate vai a negra, sempre existe um vencedor. Cada ponto ou etapa pode ser marcado por uma chamada ou um reinicio ao pé do berimbau. Essa marcação é feita pelos próprios jogadores e preferencialmente pelo fiscal que sempre estará determinando cada estagio do jogo até o seu final.

O jogo de Capoeira Angola sempre é de “dentro” e acontece à curta distancia entre os jogadores. O “jogo de dentro” favorece a defesa não dá chance para o ataque contundente que necessita de espaço poder acontecer. Nesse sentido o jogo de Capoeira pode ficar bastante “travado” pois nenhum dos jogadores dá espaço para o outro. O objetivo no jogo de Capoeira Angola é a supremacia sobre o espaço, no jogo os jogadores buscam sempre se antecipar um ao outro em disputa permanente pelo espaço, aquele que chega primeiro no ponto futuro sempre estará em vantagem e terá condições de subjugar o adversário. Isso deve ocorrer através de movimentos desequilibrantes que podem ser aplicados com a cabeça com as cabeçadas ou com os pés chapas e rasteiras. Não existem movimentos contundentes, mesmo a chapa deve ser aplicada apenas para derrubar o adversário e não para bater ou quebrar o que é perfeitamente possível devido à condição conquistada por quem esta em vantagem, porem o código de ética e respeito que rege a Capoeira Angola não admite que se agrida ao adversário para demonstrar autoridade ou poder no jogo, isso é considerado covardia no contexto da Capoeira Angola. Não há necessidade do jogador bater para provar que é melhor. A palavra chave para o angoleiro nesse sentido é controle-motor, ou seja a capacidade de controlar seus movimentos de modos a preservar a integridade física do seu adversário. Esse termo é utilizado por Mestre Moraes para definir essa condição indispensável ao jogador de Capoeira Angola.

O plano subjetivo é aquilo que muitos chamam de “mandinga”, “malicia”, se refere à sensibilidade do jogador de Capoeira Angola, sua capacidade de reagir com movimentos característicos e tradicionais a cada situação proposta dentro do jogo e está intimamente relacionada com a ancestralidade com o transe. Nesse contexto o jogador é o “cavalo” dos ancestrais que se incorporam ao jogador durante o jogo. Para haver essa incorporação o processo é semelhante ao que ocorre nas religiões de matriz africana são ensinados passos e movimentos característicos ao iniciado que após dominar esse conhecimento esta preparado para “receber” os ancestrais. O jogador de Capoeira Angola no momento do jogo perde sua persolidade original deixa de ser João, Paulo, Maria e passa a ser uma entidade ancestral “o jogador” que se manifesta no plano concreto através de seus movimentos característicos que são reproduzidos, só no solo brasileiro a mais de quatrocentos anos e em áfrica seguramente a mais de cinco mil anos. Perde a noção de tempo e se transfere para um plano atemporal durante o período em acontece jogo. São entidades primitivas que não tem fala, são os arquétipos dos bêbados, dos tabaréus, dos cantadores, dos sacis, dos malandros, entre outras figuras míticas do imaginário afro brasileiro. Pelo exposto a “mandinga” a “malicia” ou outro termo que se queira utilizar para denominar a sensibilidade ou subjetividade do jogador não é resultado de treinamento objetivo da repetição de movimentos desconectado do contexto histórico cultural e etnográfico somente a partir desse conhecimento é que o jogador estará adquirindo a condição de evoluir e conquistar naturalidade nesse processo.

Quanto maior o rigor na execução do ritual melhor o nível de expressão da Capoeira Angola que estará trazendo o passado para o presente para juntos construírem o futuro.

A importância de Mestre Pastinha para a Capoeira Angola

O arauto da não violência
O pai da Capoeira moderna

Fala-se em Pastinha como um mito distante algo incompreensível ou que precise de uma tradução para que seu legado seja compreendido pelas novas gerações.

A capoeira até o início do século vinte era praticada na rua, ou melhor, a céu aberto. Como uma manifestação espontânea que acontecia nos momentos de folga do trabalho escravo. Assim sendo sua transmissão ocorria naturalmente sem qualquer preocupação didática. O conhecimento era incorporado pelo convívio com o iniciado que a praticava nessas ocasiões e assim disseminava-se seu conhecimento.

Após a abolição da escravatura, os escravos, naturais praticantes e criadores da Capoeira. Perambulavam sem emprego ou qualquer condição digna de sobrevivência. Nesta época aqueles que se destacavam pelas suas habilidades físicas, conhecimento de luta e valentia começaram a ser valorizados e eram contratados por ricos comerciantes e políticos para fazerem sua segurança.

Nesta ocasião o conhecimento de Capoeira teve grande destaque, e passou a ser transmitido por iniciados a grupos fechados que a praticavam como luta feroz de imposição física acompanhada de armas brancas. Esses grupos se espalharam principalmente pelo Rio de Janeiro, sua violência extrapolou todos os limites da lei e do convívio social. Sem a possibilidade de uma vida em sociedade, foram perseguidos e caçados seu conhecimento passou a ser tratado como arma mortal nos códigos de lei, bem como passível de severas penas de prisão.

Foi exatamente nesse momento que, pela primeira vez, o conhecimento de Capoeira foi sistematizado e transmitido em grupos fechados exatamente pela forma como esses grupos se organizavam e preparavam suas estratégias. Por muitos anos permaneceu o estigma de violência e agressividade gratuita ligada à Capoeira.

Bem, aí chegamos a Pastinha. No início do século XX ele se deu conta da importância do conhecimento da Capoeira e entendeu que ela somente seria novamente valorizada e reconhecida se a violência e a agressividade gratuita desaparecem, fossem banidas de seu contexto. Nesse momento a Capoeira ainda era considera arma mortal e seu uso passível das penas da lei.

Pastinha também deu-se conta da importância do conhecimento da Capoeira para a valorização e reconhecimento da identidade de seus praticantes ex-escravos afro descendentes. Da grandeza e profundidade de elementos étnicos e culturais integrantes de sua expressão portanto fundamentais para a formação e afirmação, principalmente, dos excluídos e discriminados, que haviam perdido seus referenciais de identidade. Ele afirmou o valor e a realeza de sua origem através da integração dos elementos rituais que se manifestam através dela, com isso projetando uma dimensão sobrenatural ao seu acontecimento.

Tornou-se figura catalisadora das idéias que fundamentaram a concepção da Capoeira Angola, e os principais capoeiristas de sua época lhe delegaram a missão de conduzir a pratica da Capoeira para as futuras gerações.

Praticá-la em local fechado, através de praticantes interessados em defender sua identidade étnico cultural, com o propósito do reconhecimento de sua importância como elemento formador dos indivíduos, no sentido da afirmação de seus valores. Utilizando uma das mais complexas manifestações da cultura dos ex-escravos, afro descentes, fundindo elementos religiosos a Capoeira retrata deuses, guerreiros e vadios de toda a sorte, características gerais de um povo, nela todos os arquétipos deste povo são revividos através dos elementos rituais que permitem sua criação e manifestação. O formato bateria, roda, coro, jogadores, com a definição dos instrumentos que compõem a bateria sua disposição e quantidades no recinto da roda de Capoeira Angola, ficaram consolidados a partir de mestre Pastinha. O banimento da agressividade gratuita trocada pela astúcia, pela perspicácia dos jogadores, o sentido brincalhão e debochado evocando figuras do imaginário popular para se manifestarem através dos jogadores construindo essa grande ponte entre o passado e o presente que se materializa quando todos os elementos rituais se conjugam, aí nesse instante sim, os ancestrais se manifestam e o verdadeiro sentido da Capoeira Angola se perpetua.

Dessa circunstancia é que pode-se dizer que surgiu a primeira escola e grupo formal de Capoeira, a valorização de seus elementos culturais e o caráter de celebração. A exclusão da agressividade gratuita, da violência pela violência caracterizam a Capoeira Angola de Mestre Pastinha, que vem sendo sustentada nos dias de hoje principalmente por Mestre João Grande e Mestre João Pequeno.

Esse é exatamente o inicio do ensino sistematizado, em local fechado e com o objetivo de formar indivíduos capazes de tornarem manifesta a tradição cultural dos afro descentes, ex-escravos, agora cidadãos livres, dignos e imbuídos de grande conhecimento de suas origens que reconhecem e afirmam seus valores.